sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

motivação nas organizações

Motivação nas Organizações
As grandes e rápidas mudanças em especial, na tecnologia e na comunicação, trazem desafios às pessoas e às organizações, tanto na compreensão quanto na adaptação aos contextos em que vivem. A Revolução Industrial exigiu cada vez mais a especialização à serviço da otimização dos processos produtivos, visando sempre a maximização de lucros. À administração coube o uso de controles e de ferramentas que permitissem o aumento da produtividade. Daí a fragmentação do processo em etapas produtivas, a rotinização e decorrente especialização. Nessa frenética busca de lucros, via o esgotamento da capacidade produtiva, utilizou-se dos mecanismos de punição, condicionamento e de incentivos aos trabalhadores. A recompensa por mais produção viria no incremento da remuneração. As teorias simplistas quanto a conduta humana e respectiva motivação, surgem nesse cenário, aplicando-se a sistemática da punição/recompensa. Uma segunda proposta busca juntar os fragmentos e considerar a pessoa na sua totalidade. Na Escola de Relações Humanas, os objetivos motivacionais se ligam ao reconhecimento da importância das pessoas, das suas individualidades e das suas participações no grupo social, ainda visando uma maior produtividade. Os trabalhadores, assim, mais sutilmente manipulados, devem desenvolver uma visão mais ampla, motivados pelos relacionamentos interpessoais. Novas suposições focadas na Administração dos Recursos Humanos, surgem, considerando pessoas como um dos recursos da organização. Admite-se as diferenças individuais e objetivos motivacionais diversos. Os trabalhadores possuem talentos únicos que contribuem, segundo suas habilidades, com os objetivos organizacionais. Nesse contexto cabe à administração encontrar estratégias que ejetem esses talentos. É relevante a problemática e o significado da motivação: mover-se em sentido ao objetivo, ao que é preciso, ao necessário. As pessoas desempenham um papel em função de algo, um alvo a ser atingido. Nesse processo o invólucro social é manifesto, é preciso considerar as relações interpessoais e suas implicações no âmbito particular, daí suas implicações no âmbito particular, daí suas bifurcações existenciais e efeitos individualizados. As carências humanas, individuais e intransferíveis, são fatores que determinam o estado de motivação. Motivar-se equivale a buscar o suprimento para uma necessidade percebida. Evidencia-se, desta forma, os erros na administração de pessoas, pois se buscou linearmente as respostas que não se esquivam da complexidade humana. As questões intrínsecas e contextuais assumem uma posição claramente interdisciplinar, tangendo à inteligência emocional, embasadas no enfoque freudiano. sistemática manipuladora e as premiações imbuídas da lógica capitalista, apresenta êxitos temporários, entretanto a ‘persona’ humana complexa e singular não é mantida presa nessa ‘mesa de ensaio’. A motivação extrínseca se baseia no contexto, nos estímulos externos que ditam regras e condicionam os fazeres. Entretanto, a fragilidade deste enfoque se revela na baixa intensidade e curta durabilidade, pois não há envolvimento real da pessoa humana. O condicionamento é externo. A motivação e interna. As pesquisas que revelam o caráter submisso do ser animal, com reações positivas ou negativas – não respondem à complexidade humana, em face de insuficiência da observação em laboratório, pois não esgota as variáveis do comportamento e a interação humana em seu habitat natural.
A reflexologia se mostra, também, inconsistente e vazia, diante das alternâncias e buscas individuais. Não há como resumir o estímulo face às variantes múltiplas do estado liberto, fora de uma mesa de ensaio.
Questões básicas de sobrevivência são argumentadas no condicionamento operante, quase como que a ter sede e o beber água. Remete-se aos processos organizacionais que, ainda descobrem a roda, quando urge questões quânticas. A organização, ainda, parece brincar de esconde-esconde, enquanto o planeta discute sua sobrevivência e sustentabilidade.
O modelo consciente, retrata os anelos e as recompensas, insurgindo o processo comparativo entre o que ganha um colega e outro e o que isto representa para sua dedicação à organização.
A teoria das necessidades, tão aceita no mundo acadêmico, de fácil entendimento defende que à medida que uma necessidade é satisfeita outra surge: satisfeita a fome, deseja-se o carro e por aí vai; mas quando se têm a vida ameaçada descemos nosso padrão de necessidade e buscamos apenas a sobrevivência.
Lógica, que talvez tenha sido usada como estratégia política por ditadores e sistemas para manter no cabresto àqueles que se pretendia controlar.
A motivação intrínseca advém de um impulso que vem de dentro, da energia interior das pessoas que as movem à realização de uma atividade. Ressalta-se que o desempenho depende também da aptidão do individuo, da atitude e vontade.
A importância do auto-conhecimento no processo de motivação é fundamental, pois, por mais que se forjem ferramentas capazes de operar transformação no meio ambiente, se não houver querer pessoal, não haverá envolvimento real, nem a atitude que mova.
Toda organização sonha com formulas mágicas para atingir resultados e implantar mudanças, idealiza ferramentas e botões que acionados transformem a cultura das pessoas no ambiente profissional (e mais que moldem pessoas para dar efeito aos seus diferenciais de mercado).
Entretanto já se percebe nas organizações o alvorecer da valorização das pessoas. Embora a motivação só exista a partir do interior do elemento humano há que se oferecer condições que a potencialize.
O grande diferencial nas organizações está no seu capital intelectual.
A criatividade, a inovação e a conseqüente disseminação do conhecimento é fruto humano. Essa frutificação carece de pessoas possuidoras de autoconfiança, autoconhecimento, segurança, satisfação, inteligência emocional, auto-expressão e sensibilidade interpessoal.



A QUINTA DISCIPLINA

A quinta disciplina – arte e prática da organização que aprende.
Peter M. Senge
(tradução: OP Traduções; consultoria Zumble Aprendizagem Organizacional – 22ª edição, Rio de Janeiro: Best Seller, 2006. pg. 41)

“Domínio Pessoal

A palavra domínio poderia sugerir controle sobre as pessoas ou sobre as coisas. Mas pode significar também um nível especial de proficiência. Um perito artesão não controla a arte da cerâmica ou da tecelagem. As pessoas com alto nível de domínio pessoal conseguem concretizar os resultados mais importantes para elas – na verdade, vêem a vida como um artista veria uma obra de arte.
Fazem isso comprometendo-se com seu próprio aprendizado ao longo da vida.
Domínio pessoal é a disciplina de continuamente esclarecer e aprofundar nossa visão pessoal, de concentrar nossas energias, de desenvolver paciência e de ver a realidade objetivamente.
Como tal é uma pedra de toque essencial para a organização que aprende – seu alicerce espiritual.
A capacidade e o comprometimento de uma organização em aprender não podem ser maiores do que seus integrantes. As raízes dessa disciplina estão nas tradições espirituais ocidentais e orientais, bem como em tradições seculares.
Porem, surpreendentemente, poucas organizações estimulam o crescimento de seus funcionários dessa forma. Isso resulta em um desperdício de recursos:
“Ao ingressarem nas empresas, as pessoas são brilhantes, bem educadas, com alto grau de energia, cheia de vontades e desejo de fazer diferença”, afirma O’Brien, da Hanover: “Quando chegam aos trinta anos, poucos estão em rápida ascendência; as outras cumprem seu horário para fazer o que é importante para elas no fim de semana. Perdem o senso de compromisso, de missão, e a vitalidade com a qual iniciaram suas carreiras. Aproveitamos muito pouco de sua energia e quase nada de seu espírito.”
E é surpreendente como poucos adultos trabalham no sentido de desenvolver rigorosamente seu próprio domínio pessoal. Quando perguntamos à maioria o que querem da vida, eles primeiro falam de coisas das quais gostariam de se livrar. “Gostaria que a minha sogra se mudasse lá de casa” ou “gostaria de me ver livre das minhas dores nas costas.” A disciplina do domínio pessoal, por outro lado, começa esclarecendo as coisas que são realmente importantes para nós, levando-nos a viver a serviço de nossas mais algas aspirações...”
(pg. 42)
“... O trabalho com modelos mentais começa por virar o espelho para dentro; aprender a desenterrar nossas imagens internas do mundo leva-las à superfície e mantê-las sob rigorosa análise.
Inclui também a capacidade de realizar conversas ricas em aprendizados que equilibrem indagação e argumentação, em que as pessoas exponham de forma eficaz seus próprios pensamentos e estejam abertas à influencia dos outros.
A construção de uma visão compartilhada. Se existe uma idéia sobre liderança que tenha inspirado as organizações durante milhares de anos foi a capacidade de ter uma imagem compartilhada do futuro que buscamos criar. É difícil pensar em alguma organização que tenha se mantido em uma posição de grandeza na ausência de metas, valores e missões profundamente compartilhadas na organização. [...]
Muitas vezes a visão compartilhada de uma empresa gira em torno do carisma de um líder ou de uma crise que estimula temporariamente a todos. No entanto, se tiverem escolha, a maioria das pessoas opta por perseguir um objetivo nobre, não apenas em épocas de crise, mas o tempo todo. O que falta é uma disciplina capaz de traduzir a visão individual em uma visão compartilhada – não um ‘livro de receitas’, mas um conjunto de princípios e práticas orientadoras.
A prática da visão compartilhada envolve as habilidades de descobrir ‘imagens de futuro’ compartilhadas que estimulem o compromisso genuíno e o envolvimento, em lugar da mera aceitação. Ao dominar essa disciplina, os lideres aprendem como é contraproducente tentar ditar uma visão, por melhores que sejam suas intenções [...]
A disciplina da aprendizagem em equipe começa pelo ‘dialogo’, a capacidade dos membros de deixarem de lado as idéias preconceituosas e participarem de um verdadeiro ‘pensar em conjunto’.
Para os gregos, dia-logos denotava o livre fluxo de significado em um grupo permitindo novas idéias e percepção que os indivíduos não conseguiriam ter sozinhos. É interessante observar que muitas culturas ‘primitivas’, como a dos índios norte-americanos, preservaram a prática do diálogo, mas essa prática se perdeu quase que totalmente na sociedade moderna. Hoje, os princípios e as práticas do diálogo estão sendo redescobertos e inseridos em um contexto contemporâneo. Diálogo difere de discussão, que é mais comum e tem suas raízes em ‘percussão’ e ‘concussão’, que significam literalmente atirar as idéias de um lado para outro em uma competição do tipo ‘tudo ou nada’.
Os padrões de defesa frequentemente são profundamente enraizados na forma de operação da equipe. Se não forem detectados, minam a aprendizagem. Se percebidos, e trazidos à tona de forma criativa, podem realmente acelerar a aprendizagem.
A aprendizagem em equipe é vital, pois as equipes e não os indivíduos, são a unidade de aprendizagem fundamental nas organizações modernas. Esse é um ponto crucial: se as equipes não tiverem capacidade de aprender, a organização não a terá.



quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

AUTOLIDERANÇA UMA JORNADA ESPIRITUAL

AUTOLIDERANÇA – UMA JORNADA ESPIRITUAL
ROBSON GOUDARD SANTARÉM
(Para maior consciência na gestão de (com) pessoas)
INTRODUÇÃO
Ao longo da história, o ser humano vem se desenvolvendo, criando, explorando, inventando e se tornando, cada vez mais, senhor de todas as coisas. Mas, certamente, ainda não é senhor de si mesmo. Em muitas situações, é escravo do que ele próprio construiu. Embora tenha dominado tantos conhecimentos, ainda ignora o mais importante de todos: o conhecimento sobre si mesmo e sobre o seu estar no mundo.Assistimos às grandes mudanças, boas e más, sofridas pelo mundo, e sabemos que são irreversíveis. Trazem consigo exigências profundas para todos e, principalmente, para aqueles que exercem função de liderança.Há muito tempo, a sabedoria, entendida como um elevado estado de consciência característico de quem tem abertura e busca da compreensão do sentido e mistério da vida, profundo respeito pela dignidade humana, intuição, compaixão, altruísmo, priorização do bem comum etc., que as tradições espirituais nos legaram alerta sobre um outro modo de vida capaz de proporcionar ao ser humano e ao seu habitat um status de felicidade relacionado ao bem comum.Hoje, a ciência confirma que essa sabedoria primitiva é essencial à vida e começa a ser aceita; talvez porque a humanidade não suporte mais viver em um modelo destrutivo (com tantos conflitos, intolerância religiosa, preconceitos raciais) e já estejamos atingindo uma massa crítica capaz de transformar os padrões estabelecidos até o momento.Começa-se a questionar uma cultura tão orientada pela lógica, pela razão, e cada vez mais pessoas tomam consciência de que a racionalidade não é capaz de responder às questões mais importantes e significativas da vida. Em todas as áreas do saber, há um movimento pela busca do que é mais profundo. Pode-se, mesmo, afirmar que um novo paradigma, isto é, um novo modelo mental, já é aceito, e define que a maior parte do nosso conhecimento e da nossa percepção encontra-se no inconsciente; isto é que as tradições espirituais afirmam: existe uma sabedoria superior que nos fala, e esse dimensão espiritual é capaz de nos elevar acima de nossa percepção consciente, que é reduzida.A massificação, tão bem estudada por Jung, distorce nossa percepção e nos hipnotiza, de tal maneira que anulamos nossa singularidade. Tornar-se um individuo é livrar-se dessa hipnose coletiva e deixar-se iluminar pelo espírito, que se manifesta nas relações harmônicas, no amor, na busca de um sentido para a vida.Esses valores ditos humanos e/ou espirituais possibilitam às organizações empresariais alcançarem os seus resultados, mesmo em um sistema ainda tão perverso, de modo singular; eles não só contribuem para que haja harmonia nos relacionamentos interpessoais como definem, em última instância, o que é chamado de equipes de alta performance, porque sustentam o grupo e fazem com que seus membros transcendam os aspectos meramente corporativos.A perversidade do sistema caracteriza-se pela exploração predatória do meio ambiente e do ser humano, cujos tristes indicadores são abundantes e chocantes aos mais sensíveis. Ainda há exploração de mão de obra escrava. É inaceitável que haja miséria, fome, analfabetismo, falta de moradia, diante da opulência de tantos. É perverso observar países tão ricos com populações vivendo abaixo da linha de pobreza. É perverso o gritante distanciamento das faixas salariais em uma organização. É perverso e assustador pensar que podemos caminhar para o fim...Nesse cenário, há sinais de vida e esperança quando alguns líderes erguem suas vozes e começam a transformar os modelos de gestão nas empresas, em organizações não-governamentais e cidades, mostrando, com destemor não obstante as dificuldades, que é possível construir um outro mundo. Ainda que modesta, há uma clara evolução nas políticas corporativas de valorização do ser humano e no respeito ao meio ambiente.Os valores humanos são/devem ser os influenciadores de políticas corporativas e a base dos processos decisórios, definindo práticas que contribuem para a credibilidade e a perenidade da organização. Além da imagem corporativa, eles criam um vínculo entre as pessoas e a organização, gerando uma identidade que mobiliza todos para a consecução de um objetivo comum. Porque, insisto, os valores humanos devem ser a fonte e o alicerce de todas as nossas ações, e determinantes dos demais “valores”, sejam políticos, econômicos, culturais, comerciais, científicos, etc.Visto que a empresa não existe sem pessoas, e tudo o que nela se faz é feito por pessoas, quanto mais maduras e éticas elas forem, mais madura e ética será a organização. Neste nosso tempo, já não podemos recorrer a subterfúgios, que justifiquem nosso comportamento incoerente, buscando explicações para atitudes sem apresentar o esforço da transformação pessoal. É preciso que todos assumamos, responsavelmente, o destino de nossas vidas, a nossa conduta que afeta a vida do outro e a vida do planeta. Certamente isso exige disciplina, exige uma metanóia: uma profunda transformação no interior de cada um.Para percorrer esse caminho, cada um deverá voltar-se para dentro de si mesmo e encontrar uma direção espiritual para a sua vida.Jung diz que:Ele deve subir na árvore da fé que cresce para baixo, pois tem as raízes fincadas na divindade. Ruysbroceck também se expressão como a ioga: “O homem deve ser livre e sem imagens. Livre de tudo o que o liga aos outros e vazio de todas as criaturas. Não deve ser perturbado pela luxúria e pelo sofrimento, pelo lucro e pelas perdas, pelas ascensões e pelas quedas, pelas preocupações em relação aos outros, pelos prazeres e pelo temor, e não deve apegar-se a qualquer criatura.” É daí que resulta a “unidade” do ser, e esta unidade significa um “estar-voltado-para-dentro-de-si.” O estar voltado para dentro de si mesmo, para dentro do próprio coração, de modo que pode sentir e compreender a ação interior e as palavras íntimas de Deus. (Jung, v.XI, § 890)Somente uma profunda transformação da consciência possibilita a transformação do exterior. E não haverá uma transformação nas estruturas exteriores enquanto o ser humano não se transformar interiormente.É o ser humano, único na sua individualidade, que é o elemento de diferenciação na coletividade. Tanto as grandes realizações de virtude quanto os maiores crimes são todos individuais. É, portanto, no individuo que precisamos investir, antes que as forças do coletivo o aniquilem.Desenvolver a própria personalidade, com a coragem de quem sabe exatamente o que quer para si, quando continuamente é convocado a seguir e imitar padrões, é o maior dos desafios para o ser humano.Assim o sábio Jung comenta:Quanto mais conscientes nos tornamos de nós mesmos, através do autoconhecimento, atuando conseqüentemente, tanto mais se reduzirá a camada do inconsciente pessoal que recobre o inconsciente coletivo. Desta forma, vai emergindo uma consciência livre do mundo mesquinho, susceptivel e pessoal do eu, aberta para a livre participação de um mundo mais amplo de interesses objetivos. Em consciência de um mundo mais amplo de interesses objetivos. Essa consciência ampliada não é mais aquele novelo egoísta de desejos, temores, esperanças e ambições de caráter pessoal, que sempre deve ser compensado ou corrigido por contratendências inconscientes; tornar-se-á uma função de relação com o mundo de objetos, colocando o individuo numa comunhão incondicional, obrigatória e indissolúvel com o mundo. (Jung. V.VII/2 § 275).Afirmou ele também que uma das experiências mais poderosas que uma pessoa pode ter é a experiência religiosa, porque coloca o individuo em contato com o Espírito capaz de transforma-lo, tornando-o um ser humano mais pleno, integrado, consciente de si mesmo e da sua missão no mundo.Neste mundo tão materialista, urge resgatar a dimensão espiritual para que o humano encontre o sentido da sua vida. Porque, se é verdade que em toda a História todas as pessoas sempre necessitaram da esperança, muito mais agora é preciso enfatizar, em todos os cantos do planeta, que um outro mundo é possível, antes que essa ou aquela ideologia acabe com tudo. Mas não só anunciar; é preciso testemunhar sempre que há uma vida mais plena e que pode ser vivida por todos.Viktor Frankl (1905-1997) foi professor de Neurologia e Psiquiatria e fundou a escola de Logoterapia – considerada a terceira escola vienense de psicoterapia (as duas primeiras são as de Freud e Adler) – após sobreviver aos horrores da Segunda Guerra Mundial, no campo de concentração de Auschwitz. Experimentou os tormentos na própria carne e, por isso, pôde declarar, com autoridade, que somente seremos homens completos quando atingirmos também a dimensão da liberdade que nasce do espírito – a liberdade que cada um de nós tem para decidir, para escolher o que deseja para si, para escolher que tipo de ser humano deseja e pode ser (Frankl, 2006)Se não tiver uma visão consciente de si mesmo e do mundo, o lider será vitima das próprias crenças inconscientes que, no fim, determinam suas atitudes e trazem graves conseqüências para si e para todos. Se não for capaz de avaliar criticamente a si mesmo, e de também desenvolver uma consciência mais crítica e profunda sobre o que acontece no mundo, não será capaz de liderar com a maturidade que a função requer; ao contrário, o mundo invisível, inconsciente, é que dominará e traçará o destino do mundo visível e consciente.PersonaAtores inconscientes e inconsequentesEm benefício de uma imagem ideal, à qual o individuo aspira moldar-se, sacrifica-se muito de sua humanidade.(C.G.JUNG)A palavra Persona é originária da Grécia antiga, referindo-se à máscara que o ator usava e pela qual saía o som (per sonare) da sua interpretação nos diferentes papéis do teatro. A nossa “Persona”, portanto, é a máscara que usamos, não no sentido da hipocrisia e falsidade, mas como um arquétipo de adaptação social. Representa nossos veículos, com os quais nos movemos e nos relacionamos na sociedade. Nesse sentido, ela é importante para o funcionamento das relações sociais.Ao longo da vida, vamos aprendendo a nos comportar em cada ambiente, a suprimir em nós o que é considerado inaceitável e a vestir uma espécie da máscara psicológica para podermos participar da vida social. Essa máscara – Persona – que a sociedade nos força a usar por causa de suas expectativas a nosso respeito, serve para esconder quem somos.Entretanto, quando idealiza uma imagem à qual pretende se moldar, o individuo acaba por por anular-se, sacrificando a sua individualidade. E, assim, ao pretender caracterizar-se como individuo, a Persona revela que é, na verdade e sobretudo, uma máscara da psique coletiva. Ou seja, ela aparenta uma individualidade, mas não é uma aparência escondendo uma essência, e o que acontece, frequentemente, é que o individuo acaba por identificar-se com a máscara. Essa identificação muitas vezes é de tal ordem que o individuo não sabe mais viver sem ela. Ele á a máscara. E o grande perigo é não ser. Ela não passa de um recorte da psique coletiva, aparentando uma individualidade, procurando até mesmo convencer os outros e a si mesma da sua individualidade, quando não passa de uma representação daquilo que a psique coletiva definiu como deve ser. Ela nada possui de real; é apenas um compromisso entre indivíduo e sociedade, reduzido em seus papéis.Como é constituída por conteúdos advindos da coletividade, quanto mais o eu consciente estiver identificado com essa Persona, tanto mais ele será aquele que aparenta, perdendo a própria individualidade: sua psique será totalmente reprodução do coletivo. Desse modo, ela representa o máximo de adaptação à sociedade e o mínimo de adaptação à própria individualidade.Nesta sociedade, organizada sobre uma estrutura patriarcal e, a partir do século XVIII, também burguesa, o modelo de consciência coletiva se desenvolveu em torno da relação poder-submissão. Nesse universo, emergem alguns fatores determinantes para o comportamento masculino, expressos em termos de expectativas, de papéis e definições sobre o que significa ser homem, que infligem em sua alma uma opressão tal que o obriga a comportar-se de acordo com os padrões coletivos, anulando-se e sufocando a sua individualidade.Desde que nascemos recebemos uma carga de expectativas dos nossos pais, que vão determinando nossos papéis. Nosso ego vai se formando, inicialmente, para atender a essas expectativas e receber a aprovação dos pais e da comunidade. Mas, ao longo da vida, é necessário que se faça uma distinção entre o nosso ego e os papéis que assumimos. Embora tenhamos que levar em conta os padrões e expectativas definidos pela sociedade, não podemos confundir nossa identidade com nossos papéis. A caracterização da Persona se torna extremamente forte no mundo do trabalho, definindo de tal modo o comportamento que todos vão se igualando na massa. Assim é que ser bem-sucedido está mais relacionado à capacidade de impressionar, de fazer o “marketing pessoal”, de ser competitivo, de como se vestir, dos lugares que freqüenta etc. isso muitas vezes vale mais que o caráter, mais que ser singular.Todos nós precisamos ter consciência de que cada um utiliza as vestes para proteção e aparência, mas sabendo também que, quando quiser, pode trocá-las por outras mais confortáveis, mais apropriadas, e, até mesmo, ficar nu em outros momentos. No entanto, se as vestes – que são representacionais – grudam em nosso corpo e até teimam em substituir a nossa pele, muito provavelmente nós adoeceremos.Essa carga opressiva sobre o individuo também se manifesta em outra emoção negativa, que regula o comportamento das pessoas desde tempos imemoriais, definindo atitudes, estabelecendo regras, ditando procedimentos. Do nascer ao morrer, o ser humano age e reage em função do medo. A criança, desde a primeira infância, tem seus medos embasados em sua própria biologia e manifesta-os pelo choro. O sentimento evolui conforme a idade, e o individuo o vai relacionando com as manifestações da natureza, catástrofes e as bruxas que povoam o seu imaginário. Na adolescência, o temor refere-se ao ridículo, à questão dos conflitos familiares e à aceitação social. Amadurece temendo o mercado de trabalho, o fracasso em seus próprios compromissos pessoais e profissionais e, sobretudo, o medo de não corresponder às expectativas, e, por fim, teme a inexorabilidade do tempo que chega, trazendo problemas para a saúde e incertezas.Também cresce o medo do outro. O medo do contágio, o medo do relacionamento. O medo do estranho e do diferente, que passam a ser fonte de perigo. Entre tantos medos, um se destaca como patológico: o medo de si mesmo – medo de não corresponder às expectativas do coletivo, o outro passa a ser visto como um adversário que precisa ser destruído, e não como um igual, como um irmão. E sabe-se que esse medo é um campo fértil para paralisar a evolução, para o desempenho medíocre, para os baixos resultados no trabalho.Hollis (2004) disse que o homem se liberta à medida que começa a se relacionar diretamente com os seus medos; liberta-se para se tornar o homem que deseja ser, quando decide vencer os próprios medos. Para curar-se, é preciso que ele assuma que sente medo e deixe de sentir vergonha desse sentimento. Porque o que não compreendemos dentro de nós, nós projetamos sobre os outros de tal modo que toda a sociedade fica impregnada pela Sombra que nela projetamos. E, assim, passamos a ser controlados pelo que desconhecemos em nós.Dessa forma, o individuo se anula em sua singularidade, em seus valores, para viver em conformidade com os valores da coletividade. Ao deixar de expressar a sua individualidade, passa a se comportar pelas convenções do coletivo. E assim se forma a Persona – a identificação com o papel social - , e, com ela, surgem inúmeras neuroses. Aquele que se apresenta como um “homem forte” muitas vezes esconde uma criança frágil; a máscara de ‘poderoso’ esconde o inseguro.É fundamental que cada um de nós aprenda a discernir entre o que é essencial, o que é ‘ser’ para si mesmo e ‘ser’ para os outros. Para isso, precisamos nos conhecer e nos aceitar plenamente, como somos, a fim de que possamos desempenhar bem a função que nos cabe.Ao longo da história humana, o que se constitui em termos de instintos, formas de pensamento e sentimento, foi produto do coletivo; é imensurável essa carga do coletivo sobre o individual, e por ser assim tão pesada é que o individuo pode desaparecer completamente. Usando as palavras de Jung.Para descobrirmos o que é autenticamente individual em nós mesmos, torna-se necessária uma profunda reflexão; a primeira coisa a descobrirmos é quão difícil se mostra a descoberta da própria individualidade. (Jung, v.VII/2, §242)Essa é a primeira carga que pesa sobre os indivíduos: corresponder às expectativas que, ao longo dos séculos e em cada cultura, foram delineadas para ele, mas que, em geral, resumem-se em alienar-se e anular a individualidade para viver e manter o que exige o coletivo. O indivíduo se sacrifica, deixando a realização pessoal de lado, para dar vida ao mito, que, no caso do homem, significa trabalhar para ser o provedor da família e de quem mais lhe for incumbido sustentar, ser o guerreiro competidor, lutador e senhor de todas as coisas, e tantas outras características que o ‘mercado corporativo’ passou a definir como fatores de competitividade, incluindo aí as preocupações que acarreta possuir tal perfil.Os modelos apresentados no mercado de trabalho e a força dos meios de comunicação social contribuem para forjar um ‘perfil’ que seja vendável, que esteja na ‘moda’ como padrão de sucesso, e corroboram para que a pessoa esqueça totalmente de ser feliz; importa mais o sucesso, a carreira profissional, do que o caminho da singularidade que leva à felicidade. Há uma grande massa na qual, cada vez mais, as pessoas se igualam nos padrões estabelecidos.Quando esse fenômeno acontece, isto é, o papel social prevalece sobre a individualidade, o resultado pode ser uma grande inflação do ego, visto que o papel que representa se destaca, e a pessoa se esquece de que é humana e se torna apenas um papel.Nesse papel a ser desempenhado também não há espaço para demonstrar a emoção e, tampouco, as expressões de afeto que podem significar vulnerabilidade. Nessa grande arena, o individuo é instado todos os dias a combater, demonstrando força, ou melhor, que é mais forte do que o outro, vivendo tensionado e humilhado pelas próprias forças que o arrastam, impedindo-o de saber sequer quem é ele mesmo.Desse modo, vive o homem na superficialidade dos seus papéis incapaz de responder quem ele é, o que sente como homem, porque entende apenas do que deve fazer segundo os padrões coletivos, como pai, marido, profissional, macho etc., tornando-se escravo desses papéis. Ainda que sejam papéis honrados, eles não são o homem na sua inteireza, individualidade e dignidade.Importa, então, que se tome consciência de si mesmo. Da Persona investida e da Sombra presente, integrando-a, porque, do contrário, o que não for assimilado será projetado sobre os outros ou vazará através de um comportamento perigoso.Na verdade, mais que humilhado pelos outros homens e pelas mulheres, esse homem é humilhado por si mesmo. Como não suporta a ideia de se sentir frágil, ou de ser percebido como um fraco um ser vulnerável, ele silencia na sua dor; investido da Persona, muitas vezes ataca e faz os outros sofrerem, tentando esconder a si mesmo com um pretenso autoritarismo, ou outras formas de demonstração de força e poder que, de acordo com os parâmetros coletivos, sugerem masculinidade.Ao se submeter a um comportamento imposto pelo coletivo, oprimido pelas expectativas que sobre ele recaem e pelo papel que lhe é exigido viver, o homem, assim humilhado, degrada-se e passa também a destruir.Muitos homens escondem tais emoções atrás de um modo workaholic de ser, trabalhando até a exaustão. Outros se refugiam nas drogas, ou tentam se esconder de si mesmos atrás da máscara truculenta do autoritarismo e em muitas formas patológicas de viver, até que uma força vulcânica os derruba através de inúmeras doenças e do estresse.Como não consegue dar significado à sua dor e nem compreender os sinais do seu corpo que lhe exigem atenção, o homem permanece preso a seu ferimento, o que não lhe possibilita crescimento, transformação e sabedoria; a dor que não tem sentido é a que mais faz sofrer e mata. Sua inconsciência a respeito dos próprios traumas, das suas feridas, faz com que mantenha sua dor, muitas vezes cultivando-a quando fere os que ama e aqueles que com ele convivem.Para se libertar do sofrimento é preciso que o homem o acolha, tome consciência, reconheças as próprias feridas, ‘tome a sua cruz’ e a transforme, dando-lhe um sentido que lhe traga cura para si mesmo e também para o seu entorno, pois, uma vez curado, curará o mundo.Como Hollis tão bem expressa:Se as imagens que governam, consciente e inconscientemente, nossa vida só podem ser analisadas e resolvidas com o sofrimento particular e individual, a crescente capacidade dos homens de confessarem sua dor e seu raiva, de conversarem cada vez mais uns com os outros, também ajudará a curar as feridas do mundo.(Hollis, 2004, p. 12)O desnudar-se(da persona)De que, então podes gloriar-te? Mesmo que fosses tão orgulhoso e sábio a ponto de possuíres toda a ciência, saberes interpretar toda espécie de línguas e perscrutares engenhosamente as coisas celestiais, nunca deverias gabar-te de tudo isso (...)Do mesmo modo, se fosses mais belo e mais rico que todos, e até operasses maravilhas e afugentasses os demônios, tudo isso seria estranho a ti, nem te pertenceria, nem disso te poderias desvanecer.(Francisco de Assis)Creio que a vida de Francisco de Assis explicita com muita clareza o arquétipo da Persona e o seu desvencilhamento. Nesse processo, Francisco nos ajuda apontando-nos o caminho da singularidade, da busca da realização do Ser; curando-nos a nós mesmos contribuiremos para a cura da sociedade e, no caso específico dos líderes, para a cura das organizações.Ao evocar Francisco de Assis como alguém que, através de uma espiritualidade singular, viveu de maneira esplêndida o processo de individuação, deixando-nos lições de vida e liderança, é preciso ressaltar que, como todo humano, ele é filho de uma determinada época e cultura, e esses aspectos precisam ser considerados. Ele nasceu entre 1181 e 1182 (não há uma data precisa) e morreu em 3 de outubro de 1226.Entretanto, seus valores essenciais eternizaram-se, não obstante a época em que viveu; assim como as etapas do processo de individuação são sempre as mesmas. E são essas as questões que considero relevantes para efeito deste livro.Aos poucos, na sua juventude, Francisco foi deixando de ser o filho de Pedro Bernardone, submetido às condições de seu tempo, para se tornar a figura que hoje é conhecida em todos os continentes.Sendo filho da uma classe média emergente, Francisco experimentou, pelo lado paterno, a força dos valores materiais e das exigências da sociedade medieval para os jovens que buscavam a ascensão. De sua mãe recebeu toda a influência sobre os valores espirituais. Ele precisou adaptar-se, e o fez definindo-se como filho de um novo-rico, vestindo-se bem e vivendo em meio aos entretenimentos de sua época, como outros tantos jovens, almejando tornar-se um nobre cavalheiro e também evitando os leprosos, indigentes e excluídos do sistema capitalista nascente.Nesse mundo, vivendo como um jovem ambicioso, galante e bem-relacionado, participou intensamente de tudo o que lhe era possível, chegando a fazer parte da tropa da Quarta Cruzada. Observa-se, no cantor das ruas de Assis, no comportamento do jovem rico e aspirante à nobreza, parte da Persona.A Persona de Francisco era a maneira que ele encontrou para relacionar-se com seu pai, seus amigos e a sociedade, assim como para se compreender a si mesmo. Era essa a sua garantia de sucesso e a sua base de confiança.No entanto, por ocasião da expedição da Quarta Cruzada, sofreu um longo período de depressão. A depressão, em geral, sinaliza por parte do inconsciente que o caminho de adaptação para a vida está nos forçando a negar nossa única realidade. Nesse período ele foi cuidado pela mãe, que representava valores opostos aos de seu pai. Francisco tinha que enfatizar o lado masculino de sua natureza, enquanto estava se tornando um homem, mas necessitava do lado feminino, experimentado através de sua mãe, para poder embarcar no processo de individuação.Certamente, tudo o que soube e presenciou durante a guerra civil ocorrida entre as cidades de Assis e Perugia, e mais o longo período de reclusão, contribuiu para o enfraquecimento daquela Persona e lhe abriu a mente para um novo jeito de pensar. Seus biógrafos viram a mão de Deus nesses eventos; Jung diria que a propensão para o encontro com o Self também se manifestou nesses acontecimentos.Durante algum tempo, Francisco fugiu de seu pai, escondendo-se próximo da capela de São Damião. E esse esconderijo testemunhou seu processo de transformação. De algum modo, todos precisam de um espaço sagrado onde se processe a transformação interior. Trata-se do local onde a velha Persona morre e o ego entra em contato com seus valores inconscientes. É um espaço de morte e renascimento, onde se adquirem as forças para vencer os obstáculos da jornada. Certamente, nesse período, Francisco encontrou as forças necessárias para confrontar-se com seu pai.Há um episódio marcante em sua vida que caracteriza, exemplarmente, o processo de transformação dos valores da Persona do filho de mercador e aspirante cavalheiro, nos valores de sua autêntica personalidade e vocação.Por não concordar com o estilo de vida que ele vinha adotando, como o ‘desperdício do seu dinheiro com os pobres, desprezo pelos bens terrenos etc.’, seu pai lhe impôs intensa perseguição e exigiu sua presença diante do bispo da cidade, para que renunciasse à própria herança e lhe devolvesse tudo o que possuía.Conta Celano, seu primeiro biógrafo, que Francisco não se recusou e, apressadamente, dirigiu-se ao encontro; sem que lhe pedissem nada, despiu-se imediatamente e entregou toda a roupa para o pai, ficando completamente nu diante de todos.Parece-me que esse episódio é um marco decisivo na história de Francisco: o momento em que ele se livrou definitivamente da velha Persona, simbolizada pelas vestes devolvidas ao pai. Ao mesmo tempo, nasce um novo Francisco, com um novo Pai, com um novo jeito de se relacionar com o mundo. Sua Persona, que era usada como uma máscara que escondia sua natureza essencial, era agora um veículo para expressar seu relacionamento com o Self, que Jung chama de “Deus dentro de si”. Agora, Francisco usa a nudez para expressar o novo relacionamento com Deus.Uma nova consciência se fazia presente em Francisco. Ele estava certo da sua essência e da sua vocação, do seu propósito maior: o grande chamado para a vida plena, para a realização do ser. Porque ouviu as profundezas de si mesmo, ele tinha a convicção de seu compromisso com a vida, na sua dimensão mais plena e transcendente.Ele, agora nu, sabia que as leis que o regiam não estavam fora dele, não eram as expectativas da sociedade, nem seriam mais ‘os outros’ a determinarem seu comportamento; seria, sim, a escuta atenta da Voz que o chamava para ser ele mesmo, para a realização da sua essência.Concordo com Graf Dürckheim, quando diz que o individuo que despertou como discípulo já pode ser considerado uma nova categoria de ser humano, isto é, um ser humano que está a caminho do Caminho, porque já tem uma nova consciência que o levará, como sujeito da própria história, a construir sua jornada. Isso implica um grande mergulho interno, para tomar consciência de si, dos seus valores, do que a vida em sua plenitude espera dele, e não mais dos apelos do mundo. Por isso, ele afirma:Só quando o ser humano se conceber como vida, em sua própria essência, e se tornar simultaneamente independente e consciente de sua missão de servidor da vida, então como ser humano ele conceberá também como senhor do mundo, como na verdade ele está destinado a ser em sua origem supratemporal. Só quando o ser humano abandona totalmente o que lhe foi condicionado pelo mundo é que o absoluto poderá beneficia-lo. É muito natural que o ser humano esconda suas insuficiências das outras pessoas, mas só quando ele for capaz de ver-se despido e sem disfarces é que poderá surgir a pessoa que ele é de fato, sem inibições.(Dürckheim, 2001, p. 110)Seguramente, esse é o momento da metanóia, da grande guinada na vida, e que envolve sacrifícios, mas, ao mesmo tempo, oferece uma nova vida, em que a inteireza do ser se faz cada vez mais presente. A certeza de que há uma essência – que, para Francisco, era o próprio Deus e, para Jung, é a força do Self – é que possibilita ao individuo ingressar nesse caminho.E cada um pode, a qualquer momento e de diversos modos, iniciar essa jornada. O chamado sempre estará presente. Quem estiver atento escutará. Poderá, como Francisco, escutar os sinais da vida: um fracasso, uma reviravolta na história, uma inquietação... Enfim, a vida proporciona a todos infinitas possibilidades de realização, e cabe a nós aproveita-las, sabendo que, para tornar-se integralmente humano e líder, será preciso desnudar-se, abandonar as velhas vestes da Persona e abrir-se ao absoluto e sempre novo que habita o âmago de cada um. Encontrar-se com a sua essência e buscar a sua transcendência é que permitirá ao individuo tornar-se humano: um ser consciente de suas responsabilidades diante da vida, maduro, seguro dos seus propósitos, convicto da sua humanidade e de sua transcendência. E somente humanos podem ser chamados de líderes.Com certeza precisamos de coragem, de determinação, de firmeza de propósitos. E também de humildade. E ser verdadeiramente humilde não significa não querer aparecer como se é realmente, mas aceitar aquilo que é, superando as aparências.SOMBRA: O PORTAL DA TRANSFORMAÇÃOHoje, como em todas as épocas, é necessário que o homem não feche os olhos para o perigo do mal que está à espreita dele mesmo.(C.G.JUNG)Entre os arquétipos estudados por Jung, a Sombra se destaca, junto com a Anima/Animus, como o que mais frequentemente influencia ou perturba o eu, porque aparece com o conteúdo de toda a parte inconsciente da história do individuo, constituindo, em si, um problema de ordem moral a desafiar a personalidade do eu como um todo.Como o seu conteúdo é constituído de traços obscuros do caráter, que são de natureza emocional, e das nossas próprias inferioridades, há uma grande resistência por aceita-la. Ela pode ser entendida como uma subpersonalidade, que quer fazer aquilo que a Persona não permite.Tudo o que foi rejeitado, negado, reprimido constitui a Sombra. Ela forma, pois, o centro do inconsciente pessoal, incluindo aqueles desejos, tendências, memórias e experiências que são rejeitados pelo indivíduo com incompatíveis com a Persona e contrários aos padrões e ideais sociais.

O AVANÇO DAS REDES HOTELEIRAS INTERNACIONAIS NO BRASIL, DE RENATA PROSERPIO.

O desenvolvimento do capitalismo foi estudado por diversos autores, no fim do século XX, ressaltando a manutenção de suas características essenciais – concentração de riqueza, por um lado, e pobreza, por outro; aumento das desigualdades em ritmo acelerado, acompanhando a apropriação dos frutos do progresso tecnológico; necessidade de expansão da escala de produção para novas fronteiras, dada a necessidade de baixar custos e aumentar margens de lucro; ameaças de crises decorrentes da sobre-acumulação de capital – e destacando as especificidades de seu desenvolvimento nesta quadra da história.O estudo das especificidades e características do modo de produção capitalista, naquele fim de século, levou alguns autores a caracterizarem a referida fase como um novo modo de desenvolvimento, que não substitui o modo de produção capitalista, mas lhe dá nova face e contribui de forma decisiva para definir os traços distintivos das sociedades do final do século XX.Dentre as características desta fase – que nos interessam particularmente para a compreensão do avanço e das especificidades das redes de hospedagem internacionais no Brasil -, destacam-se aspectos relacionados à tecnologia, à mundialização dos mercados e ao foco na gestão.O ritmo de desenvolvimento capitalista está baseado, sobretudo a partir da década de 1970, no paradigma tecnológico da informação. Dentre as suas características, está o fato de que as tecnologias da informação puderam ser utilizadas nos mais diferentes países, culturas, organizações e objetivos, vindo a ter aplicações e usos distintos que, por sua vez, produziram novos saltos tecnológicos, os quais ampliaram o escopo das transformações iniciais. Este fenômeno ocorreu em diversos setores, não sendo exceção os mercados de viagem e hospedagem. Por outro lado, nesse novo modo de desenvolvimento informacional, a fonte de produtividade e de aumento da margem de lucro acha-se na própria tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento de informação e de comunicação de símbolos.“O sucesso da mundialização das companhias de serviços empresariais baseia-se, sobretudo, em sua capacidade de acumular informações sobre a clientela (real e potencial), a fim de selecionar melhor a demanda e estar em condições de oferecer serviços aparentemente personalizados”. (CHESNAIS, 1996 – apud PROSEPÉIO, Renata. O avanço das redes internacionais no Brasil. Pg. 28)O desenvolvimento baseado no paradigma tecnológico da informação se desdobra em uma nova estrutura social, marcada pela presença e pelo funcionamento de um sistema de redes interligadas que desconhecem fronteiras, culturas e nacionalidades, impondo novos padrões de interação às organizações, novas práticas empresariais, nova divisão internacional do trabalho, com conseqüências importantes sobre o emprego, a distribuição da renda e o espaço de atuação dos Estados nacionais.A sociedade em rede vem marcando o novo formato de organização social do século XXI, centrada no uso e na aplicação da informação, e na qual a divisão do trabalho se efetua, não apenas segundo jurisdições territoriais (embora isso ocorra), mas, sobretudo, conforme um padrão complexo de redes interligadas, atuando em espaços nacionais diversificados, onde se obedecem aos princípios do neoliberalismo.[2]Analisando a natureza “multidoméstica” que os investimentos nos setores de viagens e hospedagem devem assumir na nova etapa da sociedade informacional, Chesnais (1996) aponta que“... os efeitos de escala precisam ser alcançados de forma diferente do que no setor industrial. Um dos meios para isso é a organização segundo as modalidades de uma empresa-rede. A maioria das grandes cadeias de hotéis e restaurantes funciona como empresas-rede, utilizando o regime de franquia.”Atendendo às novas necessidades, o capital se desloca em um ritmo cada vez mais veloz, mas se circunscrevendo às regiões e aos períodos em que se considere, de forma pragmática, a cartilha do que ficou conhecido como o “Consenso de Washington”, pré-requisito para a entrada e a permanência do capital internacional: ajuste fiscal, estabilização da inflação, privatização, abertura comercial, liberação dos fluxos de capitais, Banco Central independente, transparente e apolítico, desregulamentação, privatização, abertura de mercado, internacionalização da produção industrial e dos fluxos financeiros, competitividade e modernização empresarial, divisão internacional de trabalho com reivindicações sindicais reduzidas. Para o caso brasileiro a entrada expressiva do capital estrangeiro – inclusive no setor de hospedagem – veio a ocorrer a partir do início do atendimento a estes princípios e do compromisso do Estado quanto ao cumprimento dos contratos e pagamento de dívidas.A globalização corresponde a um processo de ampliação de trocas entre pessoas em diferentes países, sob as instituições do capitalismo, e que essas trocas têm aumentado exponencialmente nas últimas décadas, devido a quatro fatores: em primeiro lugar, a revolução tecnológica, baseada na informática e na microeletrônica, que possibilitou um imenso aumento na capacidade de processar informações em uma velocidade maior e a menor custo; em segundo, a diminuição de custos de transmissão de informações por telefone e redes de computadores, auxiliados pela comunicação via satélite; em terceiro, o barateamento e o aumento da oferta de transporte e viagens internacionais; em quarto, facilidades de acessar os mercados financeiros mundiais, decorrentes da desregulação dos mercados financeiros na década de 1980.A globalização vem sempre associada a efeitos de economia de escala e que provoca desdobramentos aparentemente contraditórios: ao mesmo tempo em que se verifica a concentração da produção de consumo de massa, ocorre a multiplicação e a diversificado do consumo diferenciado, da diversificação regional e da individualização cultural.Um aspecto observável referente à globalização é que, enquanto destrói formas convencionais de produzir e consumir bens e serviços, também cria nichos de consumo e bens diversificados. Ao mesmo tempo em que destrói formas antigas de organização, cria novas, conforme já discutido por Marx e Schumpeter. Desta forma, em lugar do conformismo e da passividade, flexibilidade, rápida capacidade de resposta e de adaptação são as habilidades cruciais nesta nova era. (Zini Júnior & Arantes, 1996, p. III)Naisbitt (1994, p. 144) concorda neste ponto, argumentando que, frente à ameaça da homogeneização global dos produtos, dos estilos de vida, da arquitetura, da alimentação e do lazer, provocada pelo advento do turismo mundial, do comércio internacional e das comunicações globais instantâneas, “ambas as tendências (de homogeneização e diversificação) coexistirão pacificamente no século XXI. Esforços maiores serão empreendidos para fomentar e apoiar a diversidade cultural, a qual, em vez de ser subvertida, prosperará em um mar de homogeneização” (p. 24).Para Baumann (1996, p. 3), a globalização implica progressivas semelhanças nas estruturas de demanda e homogeneidade no suprimento, em diferentes países, permitindo ganhos de escala, uniformização da produção e das técnicas administrativas. Como conseqüência, “competir na fronteira tecnológica significa incorrer em custos crescentes em pesquisa e desenvolvimento, e implementar mecanismos freqüentes de consultas a clientes, provisão de assistência técnica e adaptação de linhas de produção”Discutindo as novas formas de competição na economia informacional, Baumann (1996) argumenta queDesde a perspectiva da firma, a maximização do lucro em uma economia globalizada é associada com a busca da melhor localização para desenvolver suas atividades em nível mundial, ao mesmo tempo em que se garante a estandardização dos produtos e o desenvolvimento de vantagens comparativas. Estratégias globais conduzem à redução de custos, especialização das linhas de produção e a preocupação crescente com o controle da qualidade, conduzindo a uma maior eficiência e competitividade.Analisando a abrangência da globalização, Castells (2001, p.3) conclui que,Apesar da persistência do protecionismo e das restrições ao livre comércio, os mercados de bens e serviços estão se tornando cada vez mais globalizados. Isso não significa que todas as empresas atuem mundialmente. Mas quer dizer que a meta estratégica das empresas, grandes e pequenas, é comercializar onde for possível em todo o mundo, tanto diretamente como por meio de suas conexões com redes que operam no mercado mundial. E, de fato, em grande parte graças às novas tecnologias de comunicação e de transportes, existem canais e oportunidades para negócios em todo lugar.O processo de globalização revoluciona em particular alguns segmentos, que passam a adquirir características substancialmente diversas do passado, a exemplo dos mercados de viagens e hospedagem.Já no fim da década de 1970, Celso Furtado, ao analisar transformações macroeconômicas[3] então em curso, afirmava que, “por trás de todo esse processo, está a expansão das atividades internacionais, provocada pela intensa acumulação ocorrida nos centros industriais no correr dos últimos decênios, a qual por seu lado engendra pressão sobre os recursos localizados na periferia do mundo industrializado” (1978, p.31).“Se a globalização não logrou êxito em reduzir a pobreza, também não teve sucesso em garantir a estabilidade”, garante o Prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz (2002, p. 32), um dos mais contundentes críticos da globalização, definida comoa integração mais estreita dos países e dos povos do mundo que tem sido ocasionada pela enorme redução de custos de transporte e de comunicações e a derrubada de barreiras artificiais aos fluxos de produtos, serviços, capital, conhecimento e de pessoas através de fronteiras. A globalização é impulsionada pelas corporações internacionais, que não só movimentam capital e mercadoria através de fronteiras, como também movimentam tecnologia.Em quarto lugar, verifica-se o aumento da importância das grandes empresas – até mesmo frente ao poder de regulação dos Estados nacionais -, que passam a comandar um conjunto diversificado de “unidades de negócios”, distribuídas em várias partes do planeta.Para Furtado (1978, p. 95),Se observarmos o conjunto das economias que constituem o centro do mundo capitalista, veremos que o traço marcante da evolução recente está no reforço da posição das grandes empresas. Tanto dentro de cada país como no conjunto destes, a grande empresa exerce hoje funções bem mais amplas e complexas do que foi o caso no passado. O próprio conceito de empresa, já não se aplica aos conglomerados e grupos, que enfeixam o controle de dezenas de unidades operativas com considerável autonomia.Berry, Conkling & Ray (1997) apontam três características principais das grandes empresas que lhes garantiram liderança no processo de desenvolvimento e expansão no comércio internacional, a partir da década de 1980: liderança na inovação, devido ao fato de que “enquanto grupo, as redes multinacionais gastam mais em pesquisa e desenvolvimento do que outras firmas, e estão capacitadas a transferir esta tecnologia a outros países com um pequeno custo adicional. Por outro lado, empresas locais devem investir pesadamente para desenvolver uma tecnologia competitiva.” Em segundo lugar, os autores apontam seu maior tamanho e escopo de operação, que lhes garante economias de escala e maior participação no mercado. Finalmente, sua dimensão avantajada permite assumirem grande parte das funções, “internalizando” muitas de suas operações, integrando funções e evitando fazer compras de outras empresas. Em 1969, os 14 países mais desenvolvidos do mundo sediavam 7 mil empresas multinacionais. Em 1995, eram 37 mil empresas multinacionais sediadas nesses países, controlando cerca de um terço do capital e respondendo por um quarto dos bens produzidos na economia mundial. As maiores multinacionais tinham vendas que excediam US$100 bilhões por ano.Ainda que majoritárias, a análise que aponta o reforço das grandes empresas transnacionais não é compartilhada por todos os autores. Hirst & Thompson (2002, p. 15) relativizam este argumento, sustentando queEmpresas genuinamente transnacionais parecem ser relativamente raras. A maior parte das empresas tem uma forte base nacional e comercializa multinacionalmente fundada em uma maior localização nacional da produção e das vendas, e não parece haver uma maior tendência de crescimento de empresas realmente internacionais.Dupas (2000, p. 209) concorda com ambos os argumentos, apontando, dentre as contradições que alimentam o capitalismo atual, aDialética da concentração versus fragmentação. De um lado, a enorme escala de investimentos necessários à liderança tecnológica de produtos e processos continuará forçando uma concentração que habilitará como líderes das principais cadeias de produção apenas um conjunto restrito de algumas centenas de empresas gigantes mundiais. Simultaneamente, esse processo radical em busca de eficiência e conquista de mercados força a criação de uma onda de fragmentação – terceirizações, franquias e informalização – que abre espaço para uma grande quantidade de empresas menores que alimentam a cadeia produtiva com custos mais baixos.Em quinto lugar, e como conseqüência subjacente ao surgimento da economia global, ocorreram profundas transformações nos processos produtivo, de distribuição e gerenciamento da produção, de modo a adaptar-se à rede global.Para Castells (2001, p. 114), na nova economia,O processo produtivo incorpora componentes produzidos em vários locais diferentes, por diferentes empresas, e montados para atingir finalidades e mercados específicos em uma nova forma de produção e comercialização: produção em grande volume, flexível e sob encomenda. Essa rede não corresponde somente à visão de uma empresa global com unidades fornecedoras diferentes em todo o mundo. O novo sistema produtivo depende de uma combinação de alianças estratégicas e projetos de cooperação ad hoc[4] entre empresas, unidades descentralizadas de cada empresa de grande porte e redes de pequenas e médias empresas que se conectam entre si e/ou com grandes empresas ou redes empresariais.O que é fundamental nessa estrutura industrial, bem ao estilo de uma teia, é que ela está disseminada pelos territórios em todo o globo e sua geometria muda constantemente no todo e em cada unidade individual. Nessa estrutura, o mais importante elemento para uma estratégia administrativa bem-sucedida é posicionar a empresa na rede, de modo a ganhar vantagem competitiva para sua posição relativa. Conseqüentemente, a estrutura tende a reproduzir-se e manter sua expansão conforme a concorrência contínua e, dessa forma, vai aprofundando o caráter global da economia.O segmento de hospedagem internacional tem refletido claramente estas transformações, passando por profundos processos de fusões, aquisições e incorporações de hotéis independentes em todo o globo, visando a reposicionar cada “bandeira” ou operadora de forma mais competitiva na rede mundial. Na busca de ampliação de seu mercado, as redes hoteleiras “conquistam” novos territórios e, neste caso, países em desenvolvimento apresentam-se como oportunidades para o crescimento desses empreendimentos.Finalmente, vale ressaltar que as transformações conformando uma nova estrutura social baseada na sociedade em rede, se revelam mecanismos de inclusão e de exclusão social ao mesmo tempo. Por um lado, pode-se afirmar que a tecnologia da informação, e particularmente, a Internet, criou a possibilidade de participação de milhões de computadores autônomos, em todas as partes do planeta, com inúmeras maneiras de conexão, contornando barreiras eletrônicas, como queriam seus inventores; por outro lado, ao ser apropriada pelos grupos imperialistas, serviu para recriar e ampliar os mecanismos de desigualdade de apropriação dos benefícios do progresso e exclusão daqueles países e indivíduos que não se ajustam aos pré-requisitos impostos para a expansão do capital na nova economia.Para Aninat (2002), “la globalización ofrece enormes beneficios em forma de productividade y niveles de vida más elevado. Pero también presenta desafios: adaptarse a mercados de capital volátiles y lograr que todos puedan compartir los beneficios de uma economia globalizada.”Castells (1999, p.22) aponta, dentre as características do capitalismo informacional,O aumento da desigualdade, polarização social, pobreza e miséria na maior parte do mundo. O informacionalismo dá origem a uma profunda divisão entre pessoas e locais considerados valiosos e não-valiosos. A globalização atua de forma seletiva, incluindo e excluindo segmentos de economias e sociedades das redes de informação, riqueza e poder que caracterizam o novo sistema dominante. A individualização do trabalho deixa os trabalhadores à mercê da própria sorte, tendo de negociar seu destino em vista de forças de mercado em mudança constante.A análise de Stiglitz (2002, p.33) é enfática ao apontar as grandes desigualdades e distorções reforçadas pela forma como tem sido conduzido o processo de globalização, sob a liderança dos países desenvolvidos.Os críticos da globalização, que acusam os países ocidentais de hipocrisia, estão certos. Os países ricos do Ocidente forçaram as nações pobres a eliminar barreiras comerciais, mas eles próprios mantiveram as suas, impedindo que os países em desenvolvimento exportassem seus produtos agrícolas, privando-os, assim, da renda tão desesperadoramente necessária obtida por meio das exportações.A globalização encontra seus limites nos interesses de governos, grupos e Estado-nações (ou associações de Estados-nações, como a União Européia), que promovem, na concorrência global, os interesses de seus cidadãos e das empresas nos territórios de sua jurisdição. Em lugar de um mercado internacional integrado para tecnologia, mão-de-obra, bens e serviços, o que se assiste é a manutenção e a concentração da renda nas mãos de poucos grupos e países, que dominam, cada vez mais, o fluxo de transações e renda.Dupas (2000, p. 209) concorda com o fato de que a globalização envolve mecanismo contraditório de inclusão e exclusão.À medida que exclui progressivamente postos formais do mercado de trabalho, o processo de globalização estimula a flexibilização e incorpora a precarização como parte de sua lógica. Enquanto seleciona, reduz, qualifica – e, portanto, exclui – no topo, a nova lógica das cadeias inclui na base trabalhadores com salários baixos e contratos flexíveis, quando não-informais. Por outro lado, na medida em que o processo de produção global opera ganhos contínuos nos produtos mundiais, reduzindo seu preço e melhorando sua qualidade, acaba incluindo novos segmentos de mercado à sua cadeia.O resultado final é negativo:Apesar de toda a sua vitalidade, a economia global está agravando a exclusão social. O seu contínuo avanço não parece garantir que as sociedades futuras possam gerar – unicamente por mecanismos de mercado – postos de trabalho, mesmo que flexíveis, compatíveis em qualidade e renda com as necessidades mínimas dos cidadãos.Segundo análise realizada pelo subdiretor do Fundo Monerário Internacional Eduardo Aninat (2002),Efectivamente, el producto mundial per cápita ha crecido un 90% desde 1970. pero, en África, el nivel del ingreso real per cápita es hoy más bajo que hace 30 años, mientras que en Oriente Medio Y América Latina, el ingreso real de los países en desarrollo ha crecido, pero a menor ritmo que en los países industrialízales. En conjunto, el número de personas muy pobres – que viven con menos de US$ 1 al día – se ha mantenido aproximadamente estable en los últimos diez años; se ha conseguido sólo un avance limitado en la reducción del porcentaje de la población mundial que vive en la pobreza.A globalização não é acéfala, nem neutra, nem justa. A definição das regras e a dinâmica das relações econômicas internacionais são, em grande medida, fruto das decisões e do interesse dos 23 países dominantes, hoje responsáveis por 88,4% dos fluxos internacionais de crédito, por 70% dos investimentos externos diretos e por 87,5% do valor total das empresas listadas em Bolsas de Valores do mundo, de acordo com dados elaborados por Octavio de Barros, diretor técnico da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica. Os 115 países intermediários (incluindo o Brasil) acabaram abrindo seus mercados para receber uma pequena parcela desses recursos, que são aplicados com grande volatilidade, prontos a migrar para outros destinos, tão logo as condições econômicas e sociais dos países ofereçam algum tipo de risco. E os 47 paises restantes desaparecem no mapa do capital.Para o presidente da Siemens, Herman Wever,Não há como um país ficar de fora. Não há sujeito neste processo de abertura econômica. Simplesmente acontece como se fosse um fenômeno natural, inevitável. Um dinheiro sem pátria, alocado conforme a produtividade das máquinas, da tecnologia e dos trabalhadores.Seguindo a lógica da sociedade em rede dos anos 1990, grande parte dos investimentos diretos para novas fronteiras não se destina à construção de novas fábricas ou hotéis, visando a aumentar a produção; em muitos casos, a lógica é a de produzir sinergias entre as empresas, integrando-as em rede e cortando atividades redundantes, o que gera mais desemprego. Do total de US$ 325 bilhões de investimentos diretos entre fronteiras, três quartos são destinados a fusões e aquisições. De acordo com o World Investment Report das Nações Unidas (2000), as 200 maiores multinacionais participam com mais de um quarto do PIB mundial. E as dez principais ficam com metade dos lucros das 200 maiores.A concentração vem se dando também em poucos países. As cem maiores multinacionais têm suas sedes nos países desenvolvidos, sendo 30 delas sediadas nos Estados Unidos, concentrando na sede seus ativos e melhores empregos. Das 12 principais operadoras hoteleiras internacionais em operação no Brasil, 11 têm origem em países ricos, sendo seis de “bandeira” norte-americana.A globalização e o desenvolvimento dos mercados de viagem e hospedagemA maioria dos estudiosos converge em apontar o crescimento econômico dos países do Norte, a busca de novos mercados, o acirramento da competição, o aumento do tempo livre, do conforto, da segurança, e o barateamento das passagens aéreas dentre as principais causas da significativa expansão do número de viagens nas últimas quatro décadas do século XX.O aumento das viagens decorre não somente da ampliação do número de pessoas acessando o serviço, como também do maior número de viagens realizadas pelas mesmas pessoas, acentuando a tendência no sentido de que a maioria dos viajantes tem alta probabilidade de ter viajado antes, sendo, portanto, consumidores mais exigentes e sofisticados.Para Naisbitt (1994, p. 139), “eles sabem para onde querem ir, como chegar lá e o que fazer quando atingirem o destino. Os agentes de viagens já não conseguem lotar um vôo charter com um bando de viajantes entusiasmados, carregá-los de ônibus para lá e para cá e recomendar que restaurantes visitar”. Segundo Shinyasiki (2002),A verdade é que, no turismo – basicamente composto pelo conjunto de atividades prestadoras de serviços -, mais se expressa o ideário de felicidade da sociedade pós-industrial, de conforto, bom atendimento e usufruto das conquistas tecnológicas como fator de qualidade de vida.Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), entre 1950 e 2004, o número de chegadas de turistas internacionais passou de 25 milhões para 763 milhões, representando um crescimento médio anual de 6,5%. Durante esse período, o crescimento foi particularmente marcante na Ásia, no Pacífico (média de 13% ao ano) e no Oriente Médio (10%), enquanto as Américas (5%) e a Europa (6%) cresceram em um ritmo inferior à média mundial. A Europa e as Américas ainda representam as regiões de maior recebimentos de turistas, embora sua participação venha sendo declinante, passando de 95%, em 1950, e 82%, em 1990, para 76%, em 2000.Segundo dados da OMT, as receitas internacionais derivadas de atividades turísticas representaram, em 2003, aproximadamente 6% das exportações mundiais de produtos e serviços. Se comparadas com as exportações exclusivamente de serviços, essa participação passaria a 30%.Segundo esse órgão internacional de turismo, a demanda turística depende das condições econômicas dos países que representam os principais mercados emissores. Assim, quando a economia cresce, o nível de renda disponível aumenta e uma parte maior dessa renda será direcionada ao mercado de viagem e hospedagem.Entre 1975 e 2000, as receitas provenientes da atividade turística cresceram a uma taxa média de 4,6% ao ano.O vertiginoso crescimento das viagens internacionais, observado desde o início dos anos 1960, apresentou inflexão no início dos anos 1970, refletindo a desaceleração da economia internacional, afetada pelo segundo choque do petróleo.Entre 1980 e 1982, o número de desembarques internacionais de turistas ficou estagnado em cerda de 287 milhões, segundo a OMT.A partir de 1983, o mercado de viagens e hospedagem recuperou-se e voltou a apresentar grande dinamismo, refletindo a recuperação da economia internacional e a expansão da economia informacional. Entre 1983 e 2000, o número de viagens internacionais no mundo passou de 282,1 para 680,6 milhões (crescimento de 141%), segundo a OMT.Dentre os fatores que ocasionaram essa recuperação, deve-se incluir a desregulamentação das atividades aéreas nos Estados Unidos, o principal mercado, com o conseqüente barateamento das passagens e o aumento da demanda por hospedagem.Vale, ainda, destacar que a expansão do mercado de viagens e hospedagem, nas últimas décadas, vem contando com a forte e crescente participação das empresas multinacionais, organizadas em rede, que se beneficiam e, ao mesmo tempo, retroalimentam o processo de crescimento, oferecendo novos atrativos para o mercado de viagens.O ano de 2001 representou um momento e inflexão na atividade. Após 18 anos de contínuo e expressivo crescimento, o mercado de viagens apresentou decréscimo de 0,1% naquele ano. Dentre os fatores apontados como responsáveis por esse desempenho, destacam-se, em primeiro lugar, os ataques terroristas de 11 de setembro, em Nova York, que criaram uma crise sem precedentes no setor, afetando, especialmente, o tráfego aéreo internacional e o mercado de hospedagem. O ataque terrorista revelou, por um lado, a vulnerabilidade do mercado de viagens, turismo e lazer, frente a ataques, provocando crise de confiança, e, por outro lado, a rapidez com que se disseminam as imagens e o medo na sociedade informacional.No entanto, os acontecimentos do dia 11 de setembro não foram os únicos determinantes da retração do turismo naquele ano. Segundo a Organização Mundial do Turismo, a situação econômica de alguns países ocidentais – a exemplo da Alemanha e dos Estados Unidos – já havia começado a se deteriorar desde o último trimestre de 2000, situação esta que, juntamente com as dificuldades enfrentadas pelo Japão, vinham causando decréscimos no turismo receptivo das Américas, da Ásia Meridional e do Oriente Médio.AS análises efetuadas pela Organização Mundial do Turismo e pelo Word Travel & Tourism Council convergem em apontar a tendência ao crescimento da atividade a partir de 2002, embora com inflexão em 2003.Antecedentes e origens das redes hoteleirasAs primeiras redes hoteleiras surgiram na Europa e nos Estados Unidos, a partir da segunda metade do século XX, em meio ao processo em curso de concentração e centralização de capital, que atraía empresas de médio e grande porte para a operação em setores que demandavam altos investimentos e mobilização de capital para sua operação, como é o caso dos hotéis.Na década de 1940 surgiu, nos Estados Unidos, o motor-hotel, ou motel, empreendimento situado à beira da estrada, para atender às necessidades das famílias americanas que, cada vez mais, viajavam de automóvel. Desenvolveram-se, nesta época também, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, os pequenos hotéis familiares, que deram origem, posteriormente, às grandes redes hoteleiras.Data dessa época o surgimento, nos Estados Unidos, das redes Hilton Quality Courts Motels – dando origem, tempos depois, às redes Choice, Best Western, Marriott e Sheraton, posteriormente incorporada ao grupo Six Continents.Para Bull (1994), nos anos 1950 e 1960, a maioria dos investimentos internacionais realizados por empresas multinacionais no setor de hospedagem era de origem norte-americana e se realizava mediante investimentos diretos de capital.Na Europa, criaram-se, nesse período (décadas de 1950 e 60), as redes Novotel (posteriormente incorporada ao grupo Accor), Sol Meliá, Hotasa e Méditerranée, dentre outras.Mas foi somente a partir da década de 1970, com a grande expansão do turismo no mundo e a globalização dos mercados, incentivando fusões e expansões de empresas para setores com os quais houvesse complementaridade e sinergia, que as redes hoteleiras incrementaram sua participação e expansão no plano internacional.Dias (1990) destaca também como relevante para o crescimento do turismo, a partir dos anos 1970, o crescimento da participação do transporte comercial, provocado pelo barateamento do custo dos energéticos, das passagens, pelo aumento das viagens de negócios e de lazer e pelos ganhos de produtividade da aeronáutica. A autora aponta o avião como o meio de transporte que “revolucionaria o turismo em nosso século” e a forte relação entre o crescimento acelerado das empresas aéreas regulares e o surgimento do hotel de cadeia ou rede hoteleira. As aquisições de redes locais de hotéis por parte de grandes empresas aéreas, explorando a complementaridade entre serviços de transporte aéreo e hospedagem. Ou, ainda, fundando novas redes de hotéis associados à sua bandeira, localizado sem pontos estratégicos de sua rotas.A Pan Am, já em 1945, criara a cadeira hoteleira InterContinental, fundando, a seguir, os hotéis Fórum e os Islands Inns. Com o tempo, outras companhias aéreas criaram suas próprias cadeias hoteleiras ou, então adquiriram cadeias já existentes. Podem-se citar a American Airlines, com os American Hotels; Air France, com os hotéis Méridien; Japan Airlines e a JAL Development Company; British Airways em associação com a Swissair, Lufthansa e Alitalia e a cadeia European Hotels Corporation; a TWA, que passou a controlar os hotéis Hilton International; a United Airlines com os Trans-International Hotels; bem como a cadeia Meliá, a Canadian Pacific e seus hotéis e mesmo a brasileira VARIG, com sua rede Tropical de Hotéis.O acirramento da competição no fim dos anos 1970, determinada pela desregulamentação das atividades e fusões entre grandes transportadoras, levou as principais empresas a concentrarem sua atuação no setor de transporte aéreo nos anos 1980, diminuindo seu interesse pela diversificação setorial, observada na década anterior.Para Bull (1994, p.239), a partir das décadas de 1970 e 1980, o processo de expansão das redes multinacionais no setor de hospedagem modificou-se, sendo mais comuns as operações realizadas por meio de acordos de gestão sem investimento por parte das redes, e sendo maior a dispersão da nacionalidade das redes. Segundo o autor:Dentre as principais redes multinacionais que não estão estabelecidas nos Estados Unidos, encontram-se o Club Méditerranée, Accor e Méridien (França), THF (Reino Unido), hotéis CP (Canadá), Oberoi (Índia), Meliá/Sol (Espanha), hotéis Nikko e ANA (Japão) e New World (Hong Kong. Em 1978, as principais multinacionais de hospedagem dos Estados Unidos – como Holiday Inn, Westin, Sheraton, InterContinental, Hyatt e Hilton – representavam a metade dos hotéis de propriedade estrangeira ou associados, no mundo. Mas a expansão das redes não-americanas está reduzindo continuamente esta proporção. Os efeitos-demonstração das economias de operação das redes hoteleiras são, em grande parte, responsáveis por isso.Segundo relatório da ONU (1982),Havia, em 1978, 81 sociedades transnacionais de hotelaria, sendo nove originárias de países em vias de desenvolvimento. A maior parte das grandes cadeias é norte-americana. Sua origem é diversa: algumas foram constituídas por grupos hoteleiros recentes; outras tomaram como base um parque hoteleiro antigo. Muitas delas foram criadas por empresas com atividades complementares: companhias aéreas, grupos de restauração ou indústrias alimentícias. Das 81, 16 eram ligadas a companhias aéreas; seis, a tour-operators; três, a sociedades de gestão; e 56, independentes. As 12 primeiras cadeias hoteleiras integradas contavam com quase um milhão de apartamentos no mundo, em 1981, sendo as seguintes: Holiday Inn, Sheraton, Novotel, Ramada Inn, Trust House Forte, Hilton, Howard Johnson, Day Inn of América, Quality Inn, Intercontinental Hotels, Hilton International e Club Méditerranée.Dessas 12 redes, mencionadas como as pioneiras no mundo, pelo menos oito têm presença destacada no Brasil, embora muitas delas tenham sido incorporadas por redes maiores, a exemplo da Novotel (hoje integrante da rede Accor), Quality Inn (rede Choice), InterContinental e Holiday Inn (rede Six Continents), Ramada (rede Marriott) e Sheraton (rede Starwood).Em um primeiro momento, a maioria das redes concentrou sua atuação no segmento de hospedagem de luxo, em grandes propriedades, situadas em grandes cidades ou capitais com intensos fluxos turísticos e de negócios.Posteriormente, o desenvolvimento do mercado de viagens, aliado à busca de novos mercados, determinou sua entrada no amplo segmento de turismo intermediário. Conforme descrevia Waldir de Souza Fernandes, em seminário promovido pelo SENAC em 1975, as redes pioneiras expandiam naquela época sua atuação no segmento de turismo econômico, introduzindo conceitos e padrões de operação que seriam copiados por muitos, sendo alguns deles mantidos até os nossos dias:Os sucessivos choques do petróleo dos anos 1970 – com consideráveis aumentos no custo do combustível estratégico – levaram diversas companhias aéreas a dificuldades financeiras. Para sobreviver e competir nesta nova conjuntura de crise, a maior parte das companhias teve de alterar suas estratégias, aumentando seus investimentos em marketing, diversificando serviços, rotas e atividades, buscando ampliar e diversificar seus mercados.A esse respeito, descreve Dias (1990, p.39):Assim, a maior parte das empresas, sem deixar de lado o transporte de luxo e de negócios, passa a dedicar, agora, cada vez mais recursos ao turismo de massa, tanto no que se refere ao transporte quanto ao setor de alojamento e, mais particularmente, à concepção de viagens organizadas. O que ocorre no setor turístico, então, a partir de meados do século XX é, nada mais, nada menos, que o fenômeno que já vinha acontecendo em outros setores da economia: a concentração de empresas.FUSÕES E AQUISIÇÕES DOS ANOS 1990A forte recuperação da economia, das viagens internacionais de lazer e de negócios – estimuladas pela desregulamentação dos transportes aéreos e a queda no valor das tarifas – e da demanda por serviços de hospedagem, observada a partir do início da década de 1990, determinou intenso processo de fusões e aquisições entre as operadoras hoteleiras.A reorganização das redes implementada naquele período revelou forte movimento de concentração e centralização de capitais, a exemplo do que há havia ocorrido em outros setores, em períodos anteriores. As fusões, aquisições e parcerias entre as grande operadoras hoteleiras, ocorridas especialmente a partir de 1993, decorreram da necessidade de aumentar a escala das atividades, reduzir custos operacionais e diversificar mercados de atuação, estratégia necessária frente ao aumento da competição e a perspectiva de crescimento do mercado. Por outro lado, as fusões possibilitaram o aumento da escala de operação um custo inferior do que a expansão tradicional baseada na operação de novos estabelecimentos, com altos custos fixos de implantação.“A redução dos custos operacionais e administrativos, a agregação de profissionais experientes e com conhecimento de mercado e de produto, a combinação de recursos complementares, o acesso a novas tecnologias” são apontadas por Ferraria (1996, p.80) dentre as principais vantagens oferecidas às empresas multinacionais nos processos de aquisições e fusões, “encurtando a trajetória para uma estruturação organizacional condizente com as exigências do ambiente global”.Gilberto Dupas (2000, p. 40) não apenas concorda com a existência do fenômeno de fusões e aquisições como característico dessa fase do desenvolvimento do capitalismo, como argumenta que esse processo deverá continuar nas próximas décadas:O mundo tem assistido, em todas as áreas econômicas, a um violento processo de fusões e incorporações, motivado pela nova lógica competitiva, que pressupões saltos tecnológicos e busca de mercados cada vez mais globais. Tudo indica que a tendência de concentração dessas últimas décadas ainda persistirá, apesar de já serem em número muito restrito os líderes mundiais na fabricação de vários produtos em áreas fundamentais à economia contemporânea.Esse processo atingiu o mercado de viagens e hospedagem. Dentre as fusões e aquisições ocorridas nos anos 1990, destacam-se a venda da rede InterContinental para o grupo Bass, proprietário dos hotéis Holiday Inn, pelo valor de US$1bilhão; a compra dos hotéis Renaissance pela rede Marriott em 1997, por US$1 bilhão; a venda dos hotéis pertencentes à ITT Sheranton para a Starwood Hospitality em 1997, por US$13,3 bilhões; a venda a Westin Hotels & Resorts para a rede Starwood em 1997, por US$ 1,57 bilhão; a venda da rede Méridien, de propriedade daAir France para a Forte Hotel em 1995, por US$ 338 milhões.Competindo com os americanos e os europeus pelo espaço nos mercados mais dinâmicos e emergentes da sociedade em rede dos anos 1990, os grupos japoneses tiveram intensa participação nesse processo de fusões e aquisições no mercado de hospedagem. Conforme relatado por John Tsui (em The japanese yen for U.S. Hotels) e relatado por Dias (1990, p.150):Em janeiro de 1987, a Kin Hawaii Inc., subsidiária da Kokunai Kogyo, comprou o Hyatt Regeny Maui, por US$ 319 milhões - o preço mais alto já pago por uma única propriedade hoteleira norte-americana (rateando-se este valor pelos seus 815 apartamentos, chega-se a um preço médio de quase US$391.500 por unidade habitacional!). A Azabu USA Corp. Adquiriu o Hyatt Regency Waikiki, com 1234 apartamentos, por US$ 245 milhões, o Maui Marriott (1200 apartamentos), por US$ 65 milhões.Dentre as características dos empreendimentos hoteleiros que ajudam a compreender os processos de fusões e incorporações dos anos 1990, destaca-se o fato de que são intensivos em capital, demandando grande mobilização de recursos para sua construção e operação. Além disso, são intensivos em mão-de-obra e operam com uma proporção elevada de custos fixos. Os serviços de hospedagem são oferecidos de forma ininterrupta, o que implica a necessidade de funcionamento permanente na maior parte dos departamentos e setores de atendimento aos hóspedes. Implica também a necessidade da contratação do dobro ou triplo do número de funcionários normalmente empregados nos estabelecimentos comerciais, devido à necessidade de cumprimento dos “turnos” para garantir o serviço 24 horas.Nos empreendimentos hoteleiros, não existe a possibilidade de formação de estoques e de ajustar a oferta de leitos disponíveis à demanda, uma vez que a oferta de quartos não é flexível. Desse modo, os hotéis operam normalmente com capacidade ociosa considerável e os leitos desocupados se configuram como perdas irrecuperáveis de receitas. Inexistindo a opção de exportar os produtos – uma vez que o serviço de hospedagem só pode ser oferecido no estabelecimento -, a tentativa de diminuir a capacidade ociosa se dá buscando trazer os turistas das mais diversas localidades, mediante parcerias com as operadoras internacionais, reforço do conceito de marca e, mais recentemente, os programas de fidelidade.O ACIRRAMENTO DA COMPETIÇÃO E A BUSCA DE NOVOS MERCADOS.O aumento da demanda por viagens e hospedagem acirrou a competição no setor, determinando a necessidade de ampliar as escalas de operação, baratear custos e diversificar locais de atuação e recepção de um número cada vez mais amplo de viajantes, que passam a se deslocar em ritmo e freqüência cada vez maiores. Além das fusões e aquisições, as redes promoveram acentuado processo de expansão, diversificação e busca de novos mercados e, até mesmo, criação de novos destinos.Três tendências principais parecem ter orientado essa expansão de empresas para novas fronteiras. Em primeiro lugar, esse movimento privilegiou os principais mercados dos próprios países desenvolvidos. Assim, grande parte das redes de hotéis norte-americanas possui a maioria de seus empreendimentos em países da Europa, Canadá e Japão; da mesma forma, redes européias costumam priorizar sua expansão para o mercado norte-americano ou para países desenvolvidos da Ásia e Oceania. Analisando tal processo, comum à maioria das empresas transnacionais, Hirst & Thompson (2002, p. 15) observam queA mobilidade do capital não está produzindo uma transferência maciça de investimentos e de empregos dos países avançados para os paises em desenvolvimento. Ao contrário, o investimento externo direto é altamente concentrado nas economias industriais avançadas, e o Terceiro Mundo continua marginalizado, tanto em relação aos investimentos quanto às trocas, exceto em uma pequena minoria de novos países industrializados.Fazendo parte dessa última categoria, o Brasil vem participando, ainda que de forma marginal, desse processo de expansão global das operadoras internacionais. No entanto, observando o número de empreendimentos das principais redes pelas diversas regiões do mundo, verifica-se que sua presença no Brasil é muito pequena (com raras exceções, a exemplo do grupo Accor).A maioria dos autores reconhece que essa estreita relação entre o desenvolvimento do País e a presença das redes internacionais é um fenômeno que deverá continuar, sugerindo que o aumento dos investimentos das redes em nosso País, além de marginal dentro da estratégia global de expansão das redes, estará estreitamente determinado pelos rumos de seu desempenho econômico. Para Hirst & Thompson (2002, p. 15),Como admitem alguns dos defensores extremados da globalização, a economia mundial está longe de ser genuinamente “global”. Ao contrário, o fluxos de comércio, de investimento e financeiro estão concentrados na tríade da Europa, Japão e América do Norte, e parece que esse domínio vai continuar.Em segundo lugar, observa-se que, apesar da globalização, as redes internacionais continuam concentrando o grosso de seus investimentos e criação de novos empregos nos países e regiões de origem. Para Hirst & Thompson (2002, p. 146)A natureza da atividade multinacional em todas as dimensões observadas, orientada para o país de origem, parece dominante. Assim, as multinacionais ainda contam com sua “base de origem” como o centro de suas atividades econômicas, apesar de todas as especulações sobre a globalização. A partir desses resultados, estamos certos de que no conjunto, as empresas internacionais ainda são predominantemente multinacionais, e não transnacionais[5].Em terceiro lugar, ao mesmo tempo em que os investimentos das redes internacionais se concentram nos países de origem e outros centros desenvolvidos, a lógica da expansão para outras regiões do mundo é bastante diferenciada, de acordo com as características e estratégias das redes. A rede Sol Meliá, por exemplo, prioriza a expansão para países de língua espanhola, incluindo destinos pouco procurados pela redes, a exemplo de Cuba, o que lhe valeu represálias por parte do governo norte-americano. A rede Pestana enfoca países de língua portuguesa, que inclui destinos que não fazem parte do interesse da maioria das redes, a exemplo de Moçambique.Independente da abordagem, poucos autores discordam da tendência à expansão futura do mercado de viagens e hospedagem. Para Naisbitt (l994, p. 160),Através de acordos de cooperação entre as linhas internacionais e dos investimentos externos em hotéis e atrações turísticas, a indústria do turismo – que já é uma indústria global em virtude do número de pessoas que viaja internacionalmente – se globalizará cada vez mais. A desregulamentação das indústrias da aviação em todos os países será seguida por políticas mais liberais para com os investimentos externos na indústria do turismo e em todas as indústrias afins.Segundo a Organização Mundial do Turismo, entre 1980 e 1996, o número de leitos de hotéis no mundo passou de 16,27 milhões para 25,64 milhões, representando um crescimento de 57,5%. O crescimento do número de hotéis se deu em meio a um processo de diversificação dos pontos turísticos e centros de negócios, com o aumento da participação da Ásia Oriental e do Pacífico.Ao lado de fusões e aquisições, diversificação de destinos e aumento nos investimentos, o acirramento da competição determinou a necessidade de inaugurar novas formas de gestão, introduzir novas tecnologias e estratégias de captação e manutenção de fatias do mercado, seguindo, muitas vezes, as tendências já desenvolvidas pelo setor industrial. Datam da segunda metade da década de 1980 as estratégias de diversificação dos serviços, mediante a inauguração de projetos hoteleiros voltados para segmentos específicos de mercado, identificados por intermédio de marcas próprias, aglutinando público homogêneo.Por outro lado, o desenvolvimento da tecnologia da informação começou a ser incorporado aos diversos segmentos do mercado, determinando, por sua vez, inovações e aplicações. No segmento hoteleiro, essas tecnologias passaram a ser aplicadas de forma intensa, mediante a implantação de sistemas informatizados que integram os diversos setores, racionalizam procedimentos e agilizam a prestação de serviços. Os primeiros softwares voltados para a gestão hoteleira foram implantados no início dos anos 1980, nos hotéis de médio e grande porte, nos Estados Unidos e na Europa. Em pouco tempo, e à semelhança com o ocorrido em outros setores, os desdobramentos da tecnologia da informação disseminaram-se para hotéis dos mais variados portes, definindo novo padrão e conceito na prestação de serviços. Além da integração de setores de segurança, planejamento, centrais de reservas, contatos com fornecedores e clientes (atendimento personalizado, respondendo às preferências específicas), diminuindo custos e demanda por mão-de-obra em um setor tradicionalmente de “mão-de-obra intensiva”.CAUSAS DO AVANÇO DAS REDES HOTELEIRAS INTERNACIONAIS NO BRASILAntecedentes do desenvolvimento do setor hoteleiro no BrasilAté a década e 1970, o mercado de viagens e o setor de hospedagem eram pouco desenvolvidos no País, refletindo o alto preço das passagens aéreas, a concentração da renda e as limitações da infra-estrutura de transportes rodoviário, marítimo e fluvial. Apesar das dimensões do País, as primeiras estradas asfaltadas surgiram em meados da década de 1940 (Via Anchieta e Rio-Petrópolis). Também a infra-estrutura ferroviária era mínima e inexpressiva a navegação fluvial e marítima.Desde o início do século XX, a capital federal, o Rio de Janeiro, sediava os principais empreendimentos, voltados a atender os viajantes estrangeiros, sobretudo europeus. Em 1959, existiam no Rio, segundo Dias (1990),195 estabelecimentos, hospedarias e hotéis, sendo 78 (40%) pertencentes a brasileiros. Acredita-se que, dentre os demais, alguns poderiam ser apenas restaurantes e outros tantos poderiam usar a denominação para encontros furtivos, mesmo entre os hotéis. Em 1890, anunciou-se, no Almanaque Laemmert, o primeiro hotel do império, “único edifício construído expressamente para ser hotel de primeira ordem, com todas as comodidades indispensáveis e uso apropriado.”Inaugurado em 1908, o Hotel Avenida, o segundo edifício do País, construído especialmente para abrigar um empreendimento hoteleiro, tinha 220 apartamentos, representando o maior empreendimento do gênero em operação.Em 1922, surgiu o Copacabana Palace, que representou o primeiro hotel de luxo do País, passando a aglutinar a sociedade carioca e os segmentos empresarias da velha capital. Construído pelo empresário Otávio Guinle e estimulado pelo presidente Epitácio Pessoa – que queria abrigar viajantes estrangeiros com a mesma pompa oferecida na Europa -, o Copacabana Palace buscava seguir o exemplo de hotéis congêneres na Europa, em especial do Hotel Carlton, em Cannes, que serviu de inspiração para seu projeto, de autoria do francês Joseph Guire. O Copacabana Palace oferecia 223 apartamentos a um público diversificado de viajantes estrangeiros e visitantes da capital, distribuídos em uma área total de 13 mil metros quadrados.Outro tradicional hotel carioca, o Hotel Glória, de propriedade da família Tapajós, foi construído em 1922, com o objetivo de abrigar as missões estrangeiras na comemoração do centenário a Proclamação da Independência, com 650 apartamentos.Nas décadas seguintes, observou-se a proliferação de hotéis de médio e pequeno porte, voltados a atender à demanda doméstica por hospedagem, sobretudo por parte de viajantes de negócios sediados nos centros mais dinâmicos (São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul).Em 1940, com o crescimento do interesse pelos cassinos, diversos hotéis foram construídos no intuito de sediar tal atividade, a exemplo do Quitandinha (Petrópolis – RJ), do Parque Balneário (Santos – SP), do Atlântico (Santos – SP), do Quississana (Poços de Caldas – MG), do Grande Hotel (em Araxá – MG), do Icaraí (em Niterói – RJ) e do Grande Hotel de Cipó (Cipó – BA), os quais acabaram sendo desativados com a proibição do jogo, em 1946, por meio de decreto federal. Nas regiões onde se instalaram, os hotéis-cassinos provocaram expressiva dinamização do turismo, da economia e do emprego, atraindo viajantes de diversas localidades. Seu fechamento, conforme relata Dias (1990, p. 58),Gerou uma série de problemas tanto de ordem social – pelos desempregos criados – como, principalmente, pelo fechamento e paralização de inúmeros hotéis que estavam sendo construídos em diversos locais. As cidades que possuíam atrações naturais, praias ou outros elementos atrativos puderam compensar a evasão do turismo de jogo, mas aquelas que tinham no jogo o único fator de atração sofreram perdas mais graves.O período 1946-1960 corresponde à fase de relativa estagnação do turismo e da hotelaria, com algumas poucas exceções. Inaugurado em 1953, o Grand Hotel Ca’ D’ Oro representa o mais antigo hotel de luxo da cidade de São Paulo, com 290 apartamentos de propriedade da família Guzzoni, oferecendo serviços diferenciados. Seu fundados, Fabrizio Guzzoni, saiu de Lausanne – do Hotel Maurice -, ainda pequeno, indo para Bergamo, na década de 1920, juntamente com sua família, e instalando-se no Hotel Moderno, dirigido por seu pai. Atravessando o Atlântico, em 1953, o fundador declarou-se encantado com a “simpatia e carinho do povo brasileiro, um povo jovem, honesto e alegre, que desconhecia os horrores da guerra”. Durante décadas, o Ca’D’Oro representou um ponto de hospedagem e encontro de monarcas, chefes de Estado, ministros, empresários e políticos da capital de negócios do País. Explicitando a sua diversidade e criticando os hotéis de rede, em cujos espaços “difunde-se [...] um clima cuidadosamente impessoal”, onde faltam “aptidões para emoção e o prazer”, o jornalista Mino Carta referiu-se ao hotel:Há também hotéis ainda dispostos a estimular no hóspede a sensação do encanto personalizado, do momento exclusivo. O Ca’D’Oro pertence à categoria das belas mansões eventuais, algo como a casa dos nossos sonhos, providencialmente oferecida ao viajante de bom gosto. Elas resistem à multiplicação das pousadas de estilo “dallasiano” – e a sua obstinação é prova comovedora de elegância.O desenvolvimento da infra-estrutura (estradas interestaduais e aeroportos), a implantação da indústria automobilística e a introdução de aviões de grande porte são apontados como os principais responsáveis pelo incremento de viagens de negócios e lazer a partir dos anos 1960. A mudança da capital para Brasília representou um novo estímulo às viagens e à diversificação espacial de negócios e serviços de hospedagem, até então concentrados na velha capital (Rio de Janeiro).Na década de 1960, o Brasil já dispunha de um parque hoteleiro de dimensões razoáveis. De acordo com a EMBRATUR, em 1963, o Rio de Janeiro era responsável por 40% dos 40 mil leitos de primeira e segunda classe existentes no País.Data dessa época o surgimento de algumas das mais importantes redes nacionais de hotéis, a exemplo da rede Tropical, que se originou da Real Tur S.A., empresa criada em 1959 pela Real transportes Aéreos para administrar os Hotéis Cataratas (Paraná) e o Hotel da Bahia (pertencente ao Governo do Estado da Bahia). Em 1967, a Real Transportes Aéreos foi comprada pela VARIG (Fundação Roberto Berta), passando os hotéis a ser administrados pela Companhia Tropical de Hotéis.A mais tradicional rede brasileira de hotéis, o Grupo Othon, inaugurou seu primeiro hotel em 1944, no centro do Rio de Janeiro. No mesmo ano, inaugurou um novo hotel no centro de São Paulo e, nos anos seguintes abriu hotéis em Salvador (Hotel Castro Alves) e Olinda (Hotel Olinda). Em 1950, inaugurou os tradicionais hotéis Lancaster e Califórnia, no Rio de Janeiro. Em 1954 e 1958, entraram em operação o Othon Palace São Paulo e o Hotel Trocadero, respectivamente. O Leme Palace (RJ) entrou em operação em 1964.O “milagre econômico” e a entrada das redes internacionais da década de 1970A forte expansão econômica observada no período 1968 – 1974 foi acompanhada por expressivo crescimento das viagens de negócios e hospedagem. O modelo de substituição de importações – fortemente apoiado, por um lado, em subsídios e incentivos governamentais e, por outro, na atração do capital estrangeiro – determinava a necessidade de deslocamentos de viajantes domésticos e estrangeiros para a instalação de novas plantas e a busca de linhas de crédito.O florescimento da indústria automobilística demandou a expansão da infra-estrutura de transporte rodoviário, que apresentou expressivo crescimento, incentivando novos deslocamentos. Segundo a EMBRATUR, entre 1969 e 1973, o número de viajantes/ hóspedes aumentou 36%. Em 1966, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 55, que criou a EMBRATUR como empresa pública e definiu uma Política Nacional de Turismo, criando, também, o Conselho Nacional de Turismo (CNTur) com a atribuição de formular, coordenar e dirigir a política nacional de turismo.Seguindo a estratégia da política econômica vigente – segundo a qual o setor público incentivava a implantação de novos segmentos da matriz industrial, ainda não instalados no País -, também ao setor de turismo e hospedagem eram oferecidos, por meio da EMBRATUR, incentivos à entrada de novos capitais, a partir da segunda metade da década de 1960, determinando a expansão das redes hoteleiras locais a entrada, pela primeira vez, de grandes redes internacionais, atraídas pelos incentivos, pelo aumento da concorrência no plano internacional e pelas perspectivas de crescimento do turismo interno.Criado no fim da década de 1960 pelo Conselho Nacional de Turismo (Cntur), o Fundo Geral de Turismo – FUNGETUR constitui importante mecanismo de promoção e financiamento de atividades no setor. Em 1971, passou a ser administrado pela EMBRATUR, que veio a concentrar seus recursos em projetos de infra-estrutura hoteleira.Em 1974, por meio do Decreto-Lei nº 1376, o FUNGETUR passou a contar com recursos do Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR), Fundo de Investimento da Amazônia (FINAM) e do Fundo de Investimentos Setoriais (FISET), além dos recursos vinculados ao Imposto de Renda (IR), sendo responsável por grande parte das inversões no setor de construção de cerca de 48 mil apartamentos em hotelaria, o que permitiu, junto aos demais fundos, a expansão das maiores redes nacionais, a exemplo das redes Tropical, Othon e Eldorado. O primeiro empreendimento do grupo Real, na área de hospedagem, contou com recursos do FISET – Turismo, que financiou metade dos investimentos no Hotel Transamérica, em São Paulo.Além do FUNGETUR, os fundos de investimento regionais – dentre os quais se destacou o Fundo de Investimento do Nordeste (FINOR) – foram importantes agentes de financiamento de projetos hoteleiros nos anos 70 e meados dos anos 80. Os recursos eram administrados pela extinta Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e repassados, por intermediário do Banco do Nordeste, para empresas de capital aberto com projetos instalados na região. Entre 1960 e 1994, foram financiados 60 projetos hoteleiros com recursos do FINOR, em investimentos estimados em cerca de US$ 245 milhões. Dentre os hotéis que contaram com este aporte, destacam-se o Lê Méridien Salvador (da rede Méridien, hoje comprado pela rede Pestana), Hotel Quatro Rodas Salvador (hoje Hotel Sofitel), Transamérica Ilha de Comandatuba (rede Transamérica) e o Mar Hotel, no Recife.As medidas de incentivo funcionaram no sentido de atrair, sobretudo, hotéis de luxo, que apresentaram o maior crescimento no período (300% entre 1968 e 1981) e os de categoria superior (crescimento de 265,4%). Somando-se as duas categorias, o total de hotéis passou de 164 para 609, no período, segundo o IBGE (citado em Panorama Setorial, 1999, p. 12).O acirramento da competição com a conseqüente busca de novos mercados por parte das redes internacionais, a oferta de linhas de financiamento subsidiadas, a “estabilidade” política e a dinamização econômica doméstica são apontados como os principais fatores de atração das redes internacionais na década de 1970. A política de substituição de importações trouxe para o País significativos investimentos e, com eles, hóspedes representantes de empresas multinacionais, que vinham se instalar em diversas regiões, mas concentrando os principais investimentos na região Sudeste.Os investimentos imobiliários eram feitos, na maioria dos casos, por empresas nacionais associadas às redes, utilizando as linhas de financiamento incentivadas, oferecidas pelos bancos públicos. Outras modalidades, a exemplo dos contratos de gestão e sistemas de franquias, foram observadas à época.Em 1971, foi inaugurado o primeiro hotel de rede internacional no Brasil (Hilton International Corporation), no centro e São Paulo, construído por tradicional grupo paulista, atualmente principalmente no setor têxtil (consórcio Scuracchio). O Hilton São Paulo possuía 400 apartamentos e era voltado para o público executivo, na cidade que exibia os principais resultados do “milagre”. Segundo Dias (1990, p. 63), a entrada em operação do Hotel Hilton, mediante uma torre com 400 apartamentos no centro de São Paulo, provocou muitas mudanças na hotelaria instalada: “houve a introdução de uma nova filosofia hoteleira, causando, certamente, a desconfiança por parte dos empresários do setor, ao verem a introdução de métodos, sistemas e conceitos novos ou diferentes”. Na época, a revista Hotelnews registrou o início da construção do Hilton, anunciando-o como “o hotel que será maior do país, integrando o supercentro paulistano, em construção na Av. Ipiranga. O Brasil entra no circuito internacional do turismo”.Após a entrada e o sucesso da Hilton International Corporation, outras redes internacionais perceberam os benefícios de se implantar no Brasil. No início da década de 1970, a Holiday Inn assumiu a administração de dois hotéis Nivory, no interior de São Paulo. Em 1976, passou a operar, em regime de franchise, hotéis em Ribeirão Preto, Marília, Santos, Campinas e São Bernardo do Campo.Em 1974, foi inaugurado o Rio Sheraton e o International Rio, administrados pela InterContinental Hotel Corporation em associação com o grupo Brascan, que, na época, era detentor do controle da companhia de energia Light e de duas empresas de turismo – a Gávea Hotelaria e Turismo, e a Parati Desenvolvimento Turístico.A partir de meados da década de 1970, começaram a se implantar as redes francesas. Em 1975, a rede Méridien – subsidiária da Air France – iniciou suas atividades no Brasil (Salvador), associando-se ao grupo Sisal (da Bahia). Em 1976, o Club Méditerranée instalou-se em Itaparica, na Bahia. Em 1977, a rede Novotel deu início às suas operações no País por meio de uma parceria com um conglomerado nacional, a BRASILPAR, empresa do grupo Moreira Salles. Em 1976 e 1979, a rede Caesar Park inaugurou estabelecimentos em São Paulo e Rio, respectivamente.A entrada das redes teve o imediato efeito de elevar a competitividade e a qualidade dos serviços de hospedagem oferecidos no plano doméstico, diversificar a clientela e profissionalizar a gestão.Além da atração das redes internacionais, o sistema de incentivos promoveu a ampliação e a diversificação de projetos de hotelaria empreendimentos por redes domésticas e iniciativas independentes, sobretudo voltados para o segmento de hospedagem de luxo. Acompanhando a expansão e a diversificação setorial da economia, o segmento de hospedagem apresentou significativo crescimento na década de 1970, ampliando sua atuação inclusive em termos regionais.Dentre as principais redes domésticas que se expandiram no período – a maioria utilizando os incentivos disponíveis -, poder-se-iam destacar o grupo Othon, que, entre 1972 e 1978, expandiu sua rede de duas para oito unidades, mediante a construção de novos hotéis de luxo em Salvador (Bahia Othon Palace), Rio de Janeiro (Rio Othon Palace), Belo Horizonte (Belo Horizonte Othon Palace), Fortaleza (Imperial Othon Palace Hotel) e Recife, tornando-se a maior rede hoteleira na América Latina; a rede Eldorado (grupo Arão Sahm), que, entre 1973 e 1978, inaugurou unidades em São Paulo (São Luís e Higienópolis), Araraquara, Atibaia, São José dos Campos e Cuiabá; a rede Tropical (controlada pela VARIG), que, entre 1973 e 1976, construiu novas unidades no Acre, em Manaus e João Pessoa; a rede Hotéis Reunidos S/A, HORSA (de José Tjurs), que inaugurou, em 1971, o Hotel Nacional, no Rio de Janeiro, oitavo grupo; a rede Plaza, fundada em 1958 pela família Schmidt, em Porto Alegre, e que expandiu suas atividades na década de 1970 na região Sul, utilizando recursos e incentivos fiscais vinculados ao FUNGETUR, inaugurando o Itapema Hotel (Santa Catarina), o Hotel São Rafael (Porto Alegre), o Hotel Hering (Blumenau) e o Caldas da Imperatriz (São Paulo); a rede Deville, criada em 1974, que expandiu suas operações no Estado do Paraná, no fim da década, abrindo unidades em Cascavel (1977), Guairá (1980) e Maringá (1982); a rede Quadro Rodas, de propriedade do grupo Abril Cultural, que inaugurou seu primeiro Quatro Rodas em São Luiz, em 1976, e outras duas unidades em Olinda e Salvador, em 1981.No que diz respeito aos hotéis independentes, também foi expressivo o crescimento e a ampliação de sua atuação em termos regionais, atraídos pela dinamização da demanda por serviços de hospedagem, pela ampliação da renda disponível da classe média e pelo sistema de incentivos. Como resultado deste processo, entre 1970 e 1980, o número de meios de hospedagem passou de 13 a 18 mil (crescimento de 38%).A retração do setor de hospedagem na “década perdida” (anos 1980) e nos primeiros anos da década de 1990A retração econômica verificada no Brasil na “década perdida” afetou significativamente o segmento de hospedagem. À diferença do que vinha ocorrendo nos países do Norte – onde o setor de hospedagem crescia, impulsionado pelo aumento da competição em escala global e pelo incremento do turismo de negócios -, no Brasil, as políticas públicas concentravam-se na tentativa de combater a hiperinflação e o aumento do déficit público, restringindo oportunidades de financiamento de novos projetos. A crise fiscal e financeira do setor público determinava o fim da política de substituição de importações, apoiada em generosos sistemas de financiamento de novos projetos e novas atividades, que foram estendidos ao setor de turismo e hospedagem, conforme visto anteriormente.A redução do nível de atividade determinou decréscimos na demanda por serviços de hospedagem. A escalada inflacionária afugentou o capital estrangeiro e deteriorou as possibilidades de financiamento de novos projetos hoteleiros, que demandam significativa mobilização de capital e retornos de médio e longo prazo. Os “planos econômicos” do início da década e o confisco de parte da renda disponível da classe média, determinado pelo Plano Collor (1990), aumentaram a instabilidade econômica, gerando ambiente de incerteza, adverso à efetivação de novos projetos de investimento. A divulgação da escalada da violência em algumas metrópoles (como o Rio de Janeiro) determinou decréscimos no número de viajantes internacionais com destino ao principal portão de entrada do País.Dentre as redes internacionais presentes no cenário nacional, nenhuma fez investimentos significativos no Brasil nesse período.Na década de 1980, recursos do FUNGETUR foram reduzidos e os que havia disponíveis foram utilizados para financiar outros setores dentro do mercado de viagens, sobretudo agências de viagens.A inexistência de fontes adequadas de financiamento para um setor em que o retorno de investimento é de médio e longo prazo constitui fator adicional para o desestímulo à atividade. Os custos dos financiamentos disponíveis eram considerados elevados pelos hoteleiros e os prazos de pagamento, inapropriados.Em conseqüência, a década de 1980 contabilizou resultados medíocres, restritos apenas à conclusão de projetos concebidos no fim dos anos 1970, voltados ao segmento de luxo (a exemplo do Maksoud Plaza – SP, Transamérica-SP, Rio Palace, 0 RJ, internacional Foz-PR e Hilton Belém –PA, dentre outros) e à implantação e disseminação dos flats.Os flats foram uma modalidade de investimento em hotelaria que superava as dificuldades de financiamento mencionadas, utilizando recursos disponíveis provenientes da poupança do setor privado, assustada com as mudanças constantes do mercado financeiro – em função da crise inflacionária e dos sucessivos “planos” de estabilização que envolveram confisco – e com as oscilações do mercado imobiliário, cujos rendimentos se viram comprometidos pela Lei do Inquilinato e pela escalada inflacionária.Dentre os motivos apontados por Proserpio Martins (2000, p.3) para o crescimento do setor de flats no Brasil, a partir dos anos 1980, poder-se-iam mencionar:· limitações ao financiamento de novos projetos hoteleiros, determinados pela crise fiscal e financeira;· aumento da procura por hospedagem de padrão intermediário, não atendida pelos projetos de luxo da década anterior;· interesse por parte de investidores individuais, decepcionados com os baixos rendimentos das aplicações financeiras e inseguros em relação à possibilidade de confisco.Por outro lado, a então funcionária do grupo Sol Meliá, Elisabeth Wada, apontava a inexistência de um sistema de previdência compensatório e a deterioração das rendas complementares advindas da locação de imóveis – em decorrência da escalada inflacionária e da Lei do Inquilinato -, dentre os motivos do interesse pelo investimento em flats.A retomada do crescimento a partir de 1994: abertura comercial, reestruturação produtiva e avanço do mercado de viagens. Características do mercado de viagens e hospedagem no período 2000-2006.A estabilização da economia, ensaiada em fins dos anos 1980, com tentativas e planos em 1985 e 1990, e finalmente consolidada a partir de 1994, marcou o início de um novo ciclo de investimentos em modernização e ampliação do parque hoteleiro no Brasil. Reverteu-se, assim, o quadro de estagnação econômica dos anos 1980, período no qual as políticas públicas se concentraram na tentativa de combate à hiperinflação e ao aumento do déficit público, restringindo oportunidades de financiamento de novos projetos.Desde a década de 1950 – período em que se implementou a estratégia de crescer “50 anos em cinco”, por meio de ajuda e financiamento externos -, o Brasil destacava-se entre os países em desenvolvimento de maior participação do capital externo na sua estrutura de produção. Para Baumann (2000, p.47),Até o final da década de 1970, era um dos países que mais absorvia investimento estrangeiro. A situação mudou durante a crise dos anos 80, e criou-se uma percepção bastante disseminada de que a economia estava perdendo as oportunidades criadas pela globalização financeira, mais interessante durante aquela década do que em qualquer outro período.Embora as primeiras ações em direção à mudança tivessem início no fim da década de 1980 – a exemplo da liberalização do comércio exterior e das primeiras privatizações -, foi somente a partir da década de 1990 que se consolidou a transformação das políticas e das instituições. Por este motivo, esta década ficou conhecida como a “década das reformas”. Baumann (2000, p. 47) aponta queEsta década representou uma virada na história econômica do País. Tendo sido, durante as quatro décadas anteriores uma economia fechada, com forte presença do Estado como produtor de bens e de serviços, e após um longo período de alta inflação com indexação, no final da década de 1990. o Brasil surgiu como uma economia com um grau expressivo de abertura ao comércio de bens e de capital, e simultânea redução da função do Estado como produtor direto. Além disso, a economia alcançou estabilização de preços sem precedentes.As reformas tiveram início com a abertura comercial em 1987, mediante a mudança na estrutura de tarifas nominais à importação (parte do programa de estabilização de preços) e uma redução progressiva das alíquotas tarifárias, que foi acelerada a partir de 1990. Na mesma época, ocorreram as primeiras privatizações, que ganharam maior impulso na segunda metade da década de 1990. A reforma comercial e a abertura ao capital financeiro externo foram acompanhadas, a partir de 1995, de nova regulamentação do setor financeiro, das reformas na seguridade social e no setor administrativo, da política fiscal e dos programas sociais.Do conjunto de reformas, as mais importantes e que ganharam maior visibilidade foram, indubitavelmente, a estabilização e a abertura comercial. A escalada inflacionária, desde o início da década de 1980, afugentava o investimento produtivo, favorecendo os governos, os investidores especulativos e o setor bancário, penalizando assalariados e promovendo grandes transferências de renda através da arbitrária oscilação dos preços relativos. A partir de então, a política econômica concentrou-se na tentativa de combater a inflação, tendo sido experimentados dois esforços importantes e fracassados (Plano Cruzado, em 1986, e Plano Collor, em 1990) e um plano bem-sucedido, o Real, em 1994”, que vem resistindo, apesar dos choques externos que afetaram a economia brasileira em setembro de 1997 (crise da Ásia) e setembro de 1998 (crise da Rússia), e a flutuação da taxa de câmbio, em janeiro de 1990”.Para Baumann (2000, p. 147), a fim de se compreenderem as reformas e os seus efeitos, é necessário considerarO impacto extremamente significativo de uma estabilização de preços, como a ocorrida nesse período: a) ela gerou um efeito riqueza, que afetou tanto consumidores quanto produtores; b) o cenário macroeconômico estável criou um ambiente político favorável às reformas,e c) induziu confiança por parte de investidores brasileiros e estrangeiros, ao mesmo tempo em que d) eliminou os ganhos expressivos obtidos pelo governo e pelo setor bancário a partir da inflação, com importantes conseqüências para as políticas monetária e fiscal, bem como para o desenho da nova regulamentação do setor financeiro como um todo.Outra reforma essencial para compreender a retomada do crescimento na época foi a liberalização comercial. Até então, vinha – se praticando a política de substituição de importações, segundo a qual se estimulava a realização de investimentos em setores ainda não preenchidos da matriz industrial, mediante fortes incentivos, financiamentos subsidiados e tarifas comerciais para proteger a industria nacional do similar importado. Embora esta política tivesse tido efeitos positivos nas décadas de 1960 e 1970, conduzindo a crescimentos inéditos do produto, sua manutenção começou a gerar efeitos contrários a partir do fim dos anos 1970: de mecanismo de estímulo ao investimento e ao crescimento econômico, a política passou a servir de freio à inovação tecnológica e ao barateamento de produtos.Além disso, o dinamismo dos países desenvolvidos na década de 1980, baseado na expansão da economia em escala planetária, expandindo os efeitos das novas tecnologias nas áreas de comunicação e transportes, evidenciava o anacronismo da manutenção de tal política. Finalmente, a crise fiscal e financeira do Estado, a partir dos anos 1980, aliada à restrição externa causada pela crise da dívida, impondo aumento nos serviços de juros sobre a dívida externa que exigiam grandes superávits comerciais, não deixavam margem de dúvida sobre a necessidade de mudança de estratégia. Na ocasião, continua Baumann (2000, p. 147)Foram recomendadas reformas políticas orientadas ao mercado, com base em quatro argumentos principais: a)a liberalização econômica reduz as ineficiências estáticas geradas pela má distribuição e pelo desperdício de recursos; b) a liberalização econômica expande o processo de aprendizagem; c) as economias voltadas para o exterior conseguem enfrentar melhor os choques externos adversos; d) os sistemas econômicos baseados no mercado mostram-se menos inclinados a atividades com fins rentistas, geradoras de desperdícios.Dentro do espírito da abertura comercial, introduziram-se ainda importantes mudanças de natureza institucional, visando a igualar o tratamento entre empresas estrangeiras e de propriedade local, que tinham como objetivo aumentar o número de competidores em setores importantes da economia e atrair o investimento estrangeiro. Dentre tais medidas, destacam-se:· Eliminação, por meio de uma emenda constitucional de 1994, da possibilidade legal de estabelecimento de diferenciação entre empresas nacionais e estrangeiras, o que tornou possível às últimas o acesso a agências oficiais de crédito e a subsídios e incentivos concedidos pelo governo;· Isenção de Imposto de Renda sobre a remessa de lucros e dividendos por filiais de empresas estrangeiras no País, com exceção dos ganhos obtidos com aplicações de renda fixa;· Extinção, por decreto, da proibição de remessas referentes a pagamentos de royalties por marcas e patentes em empresas multinacionais;· Liberalização financeira que criou condições mais favoráveis para as empresas estrangeiras estabelecidas no país, ao eliminar restrições ao uso de recursos do sistema financeiro nacional, nomeadamente o acesso aos fundos do BNDES.Outra importante mudança institucional, de fundamental relevância no sentido de consolidar a nova inserção do Brasil no movimento internacional de capitais e restabelecer as condições de atração do capital estrangeiro, foi a chamada abertura financeira. Para Vasconcellos, Gremaud & Toneto Júnior (2002, p. 527),Essa abertura tem dois aspectos básicos: a ampliação da conversibilidade da moeda nacional e a liberalização do ingresso/ saída de recursos externos na economia brasileira. Do ponto de vista da entrada de capital, talvez o recurso mais importante tenha sido o chamado Anexo IV da Resolução n.º 1.832, do Banco Central, que permitiu o acesso direto dos investidores institucionais estrangeiros ao mercado de ações de renda fixa nacional. Tal mecanismo permitiu o ingresso de um volume significativo de recursos, possibilitando o acúmulo de reservas e promovendo a elevação das cotações nas bolsas de valores brasileiras.A abertura comercial e a implantação das reformas restabeleceram o país como um destino de atração para o investimento estrangeiro, não apenas nos setores de viagens e hospedagem. Observando os dados da UNCTAD de 1999. Matesco & Hasenclever (2000) observam:Se levado em conta o estoque de investimentos externos diretos na atividade econômica, o Brasil ocupou, em 1998, o oitavo lugar no ranking mundial, quando atingiu US$ 156,8 bilhões de estoque de investimento externo. Das 500 maiores empresas globais, 405 estão em operação no Brasil, o que leva a um grau de internacionalização da economia brasileira de cerca de 20% do Produto Interno Bruto. Tal resultado revela que a internacionalização da economia do país tem se expandido nos últimos anos. Em 1996, a internacionalização alcançou 13,9% do PIB, quando o país registrou US$ 108, 4 bilhões em estoque de investimento direto estrangeiro, ocupando, à ocasião, a nona posição dentre todos os países receptores.Analisando os efeitos distributivos das reformas estruturais no Brasil na década de 1990, Néri & Camnargo (2000, p. 147) concordam com o fato de que,Além da estabilização, o elemento mais importante das reformas é a abertura da economia. Até 1990, o Brasil era uma economia extremamente fechada, como resultado de uma estratégia deliberada de substituição de importações e, por causa da crise da dívida dos anos 80, o ambiente mudou. Por um lado, mudou o contexto internacional, com a volta do crédito externo. Por outro, existe um ponto de vista, compartilhado por muitos, segundo o qual a natureza fechada da economia e as políticas comercial e industrial, ativas nos anos 1980, eram na verdade fatores que dificultavam a estabilidade de preços e o crescimento sustentado.A estabilização econômica e a implementação das reformas determinaram a dinamização do mercado de viagens domésticas e aumentaram a entrada de estrangeiros. A política de abertura comercial, a agilidade nas privatizações e o clima de estabilidade econômica atraíram novos investimentos, incrementando as viagens de representantes de firmas estrangeiras, sobretudo nas regiões que passaram a sediar o novo ciclo de inversões.Finalmente, a partir da segunda metade da década de 1990, o mercado de viagens brasileiro voltou a crescer, acompanhando tendência já verificada desde 1983 no mercado internacional.Além das reformas de caráter macroeconômico, algumas iniciativas em termos de políticas federais, inseridas no contexto mais amplo da desregulamentação econômica, tiveram especial efeito, no sentido de dinamizar o mercado de viagens, dentre as quais o relatório da BAHIATURSA (1999, p. 47) destaca:· flexibilização do mercado brasileiro de aviação, por meio da revisão de muitos acordos bilaterais, aumento do número de vôos internacionais e incentivo aos vôos charter,· mudanças na Lei de Cabotagem, visando a favorecer a realização de cruzeiros por parte de navios estrangeiros, com a liberação da costa brasileira;· mudanças na Lei do Visto, diminuindo-se as exigências para a entrada de turistas estrangeiros no País;· criação de vôos sub-regionais entre o Brasil e os países vizinhos, buscando constituir uma malha aérea entre os destinos turísticos não servidos pelas grandes companhias aéreas;· aumento do orçamento da EMBRATUR, passando a desenvolver ações de promoção da imagem do País no exterior, substituindo o apelo tradicional pela divulgação de ações ligadas ao lazer, gastronomia, cultura e ecoturismo;· investimento de ações de divulgação, prioritariamente junto aos turistas dos países que integram o MERCOSUL:· implementação da Política Nacional de Turismo (l1196/99) – elaborada em parceria com as entidades integrantes da Câmara Setorial do Turismo -, ampliando linhas de financiamento;· entrada do Brasil na Internet.Dentre o conjunto de medidas mencionadas, uma das mais importantes refere-se à liberação do mercado de aviação comercial, por meio da desregulamentação do espaço aéreo, iniciativa que já havia sido adotada em outros países (a exemplo dos Estados Unidos) e que tinha como objetivo aumentar a concorrência e diminuir os preços das passagens, em um país de dimensões continentais em que o turismo depende do transporte aéreo.Iniciativa do Gabinete Civil da Presidência da República do Governo Fernando Henrique Cardoso, o enfrentamento do cartel do transporte aéreo comercial, com o resultante barateamento das passagens domésticas, representou um dos mais importantes avanços do turismo da década, particularmente para as capitais turísticas distantes do principal “portão de entrada”, o Rio de Janeiro. Nesta condição, incluem-se as capitais turísticas do Nordeste e do Norte, que apresentaram significativo crescimento no período.A política chamada de “céus abertos” tinha como objetivo dotar o setor de um sentido de maior competição e garantir o maior acesso da população brasileira às viagens de avião. Dentre as medidas adotadas neste sentido, destacam-se:· desvinculação dos vôos charter dos pacotes turísticos, possibilitando que cada passageiro pudesse comprar sua passagem diretamente da companhia aérea, embarcando em um vôo mais barato;· desde 1997, empresas regionais receberam autorização para decolar de aeroportos nacionais, com as grandes companhias podendo explorar os vôos de aeroportos centrais;· possibilitou-se às empresas definir seus próprios preços, sendo livre a concessão de descontos;· ampliou-se o número de concessões para novos vôos a todas as companhias aéreas;· ampliou-se a entrada de companhias estrangeiras no mercado, implicando o aumento da oferta de vôos e o barateamento das passagens internacionais:· realização de code share (compartilhamento de códigos/ vendas conjuntas) por parte de companhias brasileiras, possibilitando a conexão com vôos internos com outros países.Os desdobramentos da política de flexibilização dos preços das passagens aéreas domésticas são sentidos até os dias de hoje, sendo um dos fatores responsáveis pelo dinamismo do mercado doméstico.Evolução e características da demanda de turistas estrangeiros: desempenho medíocreComo resultado desse conjunto de fatores, entre 1995 e 2004, o mercado de viagens aéreas doméstico cresceu 117%, passando de 16,8 milhões de desembarques para 36,5 milhões. O movimento de entrada de turistas estrangeiros foi, todavia, maior (152,6%) – embora partisse de uma base de comparação bastante deprimida (1,9 milhão de turistas em 1995 para 4,8 milhões em 2004) -, fazendo com que o Brasil passasse do 43o lugar no ranking dos destinos mais procurados do mundo da OMT, para o 28o lugar. Esses indicadores, no entanto, devem ser observados com cautela, devido a uma mudança na metodologia de coleta e tratamento de dados referentes ao fluxo de turistas, que se refletiu em uma expansão irreal em 1998, comprometendo análise da série de dados. Ainda assim, e apesar dos avanços, considerando o tamanho e a potencialidade turística do Brasil, o resultado alcançado de apenas 5 milhões de turistas estrangeiros, em 2005, continua bastante tímido, sobretudo se comparado aos principais destinos turísticos do mundo.A partir de 2000, o número de turistas estrangeiros no Brasil revela sucessivas quedas, fazendo com que, em 2005, o país voltasse a apresentar o mesmo número de turistas estrangeiros que já havia sido atingido o começo da década (em 2000, cerca de 5,3 milhões de turistas estrangeiros).O dinamismo do mercado de viagens, observado entre 1994 e 2004 no plano internacional – período em que o mercado de viagens cresceu 47% - não teve correspondência no plano interno, no que diz respeito à entrada de turistas estrangeiros. Os dados da INFRAERO, referentes ao desembarque de vôos internacionais, revelam que, após quatro anos de efetivo crescimento (1994 – 1997), o desembarque de estrangeiros em vôos internacionais apresentou sucessivas quedas, mantendo-se oscilante em torno de 5 milhões de pessoas, em todo o período 1997-2004.Em 2004, o total de desembarques em vôos internacionais teria alcançado 5,8 milhões. Desde 2000, São Paulo teria substituído o Rio de Janeiro, enquanto principal portão de entrada do movimento internacional de passageiros, seguido pelo Rio de Janeiro e por Porto Alegre.Segundo os dados do Departamento de Aviação Civil (DAC), a queda de número de vôos charter internacionais acompanhou e ajudou a explicar o péssimo desempenho do turismo internacional.Segundo dados levantados pela pesquisa de Turismo Receptivo Internacional da EMBRATUR, 53,9% dos turistas estrangeiros que visitaram o Brasil, em 2003, vieram por motivos de lazer e 26% vieram em função de negócios. Do total de turistas estrangeiros, 63,7% se hospedaram em hotéis. As cinco cidades mais visitada foram Rio de Janeiro (36,9%), São Paulo (18,5%), Salvador (15,8%), Fortaleza (8,5%) e Recife (7,5%). A maioria dos turistas que visitou o Brasil situa-se numa faixa etária entre 28 e 45 anos, e mais de 70% têm nível superior.De acordo com a mesma pesquisa, em 2005, Argentina (992 mil turistas), Estados Unidos (793 mil), Portugal (357 mil), Uruguai (341 mil), Alemanha (308 mil), Itália (303 mil) e França (252 mil) continuavam sendo os principais emissores de turistas para o Brasil, respondendo por 62% do total.Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador se mantêm na preferência das cidades mais visitadas pelos turistas estrangeiros, respondendo, em 2003 por cerca de 70% do total.A globalização, a maior difusão de novos destinos e a popularização do mercado de viagens parecem ter sido os principais fatores responsáveis pela diminuição da renda média per capita individual do turista estrangeiro em visita ao Brasil, que passou de US$ 38 mil anuais, em 1994, para US$ 30,5 mil, em 2003. por outro lado, o gasto médio per capita aumentou dos US$ 60,5 para US$ 87,9, no mesmo período, enquanto a permanência média global manteve-se em certa de 13,5 dias.Crescimento e características da demanda interna: dinamismo da demanda doméstica compensa o estancamento do turismo internacionalEmbora apresentando expansão em taxas inferiores às do turismo internacional, o fluxo de turismo doméstico, dada a sua magnitude e o seu potencial de crescimento, representou importante fator de atração e interesse por parte das operadoras internacionais, que passaram a observar suas principais características.Os resultados preliminares da pesquisa sobre Perfil do Turismo Doméstico, da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas, vinculada à Universidade de São Paulo), realizada entre 20 de janeiro a 31 de março de 2006, junto a 37 mil domicílios de todo o Brasil, revelam alguns aspectos interessantes que vêm sendo observados com atenção pelo mercado.Segundo esse levantamento, cerca de 39,6% das famílias brasileiras com renda superior a um salário mínimo revelam propensão a viagens domésticas, percentual este superior aos das pesquisas de 2001 (36,4%) e 1998 (32,7%), confirmando a tendência ao crescimento. Cerca de um quarto da população do País teria viajado pelo menos uma vez no ano de 2005. esse resultado apontava um mercado de turismo doméstico de cerca de 43 milhões de pessoas, superior ao estimado em 2001 (41 milhões) e 1998 (38 milhões).Em 2001, a freqüência anual de retorno à mesma localidade foi de 1,66 vez e o número médio de viagens família foi de 2,2 vezes ao ano, resultado superior ao verificado em 1998 (1,92), o que confirma a tendência de ampliação do mercado de viagens, mesmo em países com sérias restrições de renda para a maioria da população, como é o caso do Brasil.Quanto à permanência no destino principal, os resultados do primeiro trimestre da pesquisa FIPE, de 2006, apontaram que, na média, a permanência foi de 7,7 dias, período inferior ao observado em 2001 (10,8 dias, sendo o valor mais freqüente – a moda – de três dias).A casa de amigos e parentes constitui-se, ainda, no principal meio de alojamento das famílias que viajam, respondendo por 55,6% dos casos em 2006. percentual este bastante inferior ao verificado em 2001 (66%) e 1998 (73,2%). Por outro lado, a tendência à expansão do mercado de hospedagem se confirmou mediante o aumento da participação dos hotéis enquanto meio de hospedagem para 27,6% das famílias, em 2006, percentual superior ao de 2001 (15%) e 1998 (11,5%). Estima-se em cerca de 11,8 milhões o mercado de turistas internos que se hospedaram em hotéis em 2006, revelando ser este um mercado bastante significativo e promissor.A melhoria na qualidade das viagens domésticas é revelada não apenas pelo aumento da participação dos hotéis, mas também pelo maior uso de meios de transportes mais confortáveis. Assim, a opção pelo carro próprio passou de 19,1% para 30,9% e para 48,7%, entre 1998, 2001 e 2006, enquanto o avião, de 6,8% para 9% e 14,9%, no mesmo período. Embora com participação decrescente, a opção de viagem por ônibus de linha – 36,6% em 2001 e 21,7% em 2006 – continua tendo participação expressiva.Os principais motivos da maioria das viagens domésticas, nos primeiros meses de 2006, corresponderam a visitas a parentes e amigos (53,1%), lazer vinculado a sol e praia (40,8%), cultural (12,5%) e negócios (8,3%). Dentre os aspectos geográficos de preferência na escolha do destino das viagens de lazer, o motivo praia ainda se constitui no principal (28,4%), seguido por campo (6,3%) e montanha (4,8%).Outro aspecto apontado pela pesquisa foi a alta concentração do consumo nos meses considerados de “alta estação” (janeiro, fevereiro, julho e dezembro). A proporção de viagens domésticas na alta estação foi de 42,2% do total, o que segundo o estudo, compromete a capacidade competitiva do turismo brasileiro em relação a outras destinações turísticas, pois, “não havendo regularidade no uso dos recursos e serviços disponíveis, o custo da ociosidade acaba se refletindo no preço, restringindo o acesso de novos consumidores e comprometendo sua capacidade competitiva” (FIPE 2002)O trabalho destaca, ainda, a baixa elasticidade – preço nos mercados de alta renda, frente às variações de preço nos períodos de alta estação, fator este que, junto com a propensão do turismo internacional de operar no País nos mesmos meses (janeiro, fevereiro, dezembro e julho), agrava o aspecto de concentração do consumo em poucos períodos.Em 2001, observou-se que os gastos com viagem cresceram com renda de, pelo menos, até 30 salários mínimos. Em termos absolutos, os gastos médios das famílias com renda superior a 15 salários mínimos (de 1847,40) revelaram-se 5,4 vezes superiores aos gastos familiares com renda entre zero e quatro salários mínimos; o gasto per cápita médio era de R$ 253,50. Apenas 11,5% dos turistas realizavam suas viagens utilizando os ‘pacotes’ turísticos e apenas 7,7 utilizavam as agências de viagem. A distribuição dos gastos por categoria revelou que apenas 10,1% das despesas eram direcionadas para a hospedagem, sendo mais representativos os gastos com transportes (35,6%) e alimentação (25,5%). Comparando-se a participação dos gastos com a hospedagem no Brasil, verifica-se que se situam bastante abaixo do observado em outros destinos referente a países desenvolvidos, a exemplo da Inglaterra (31%) ou os EUA, em especial a cidade de Chigado (33,4%).Em 2001, a maioria dos turistas financiava suas viagens com recursos próprios (87,2%), sendo a limitação econômica mencionada por 76,2% dos entrevistados como fator impeditivo de viagem, limitação esta que se confirmou em 2006.A pesquisa ainda confirma a forte concentração do turismo doméstico brasileiro nos três Estados que constituem as regiões mais desenvolvidas e os principais pólos emissores e receptores de turistas, ratificando a forte correlação turismo-renda, “tanto pelo lado da demanda quanto pelo lado da oferta” (FIPE 2002).Assim, em 2006, os Estados de São Paulo, Rio e Janeiro e Minas, juntos, responderam por 63,1% do turismo emissivo – participação esta superior à observada em 2001 (48,4%) – e 48,9% do receptivo (41,1% em 2001). Destacaram-se, ainda, no turismo receptivo nacional, os Estados da Bahia (7,4% em 2006, e 8,9%, em 2001), de Santa Catarina (7,2%), do Rio Grande do Sul (6,4%) e do Paraná (5,9%); Ceará (3,3%, em 2006, e 5,9% em 2001) e Rio Grande do Norte (1,3%, em 2006, e 3,4%, em 2001) declinaram sua participação no receptivo e Pernambuco manteve sua participação estável (3,3%). Considerando-se as receitas provenientes do turismo, os destaques de 2001 ficaram por conta dos Estados de São Paulo (22,5%), do Rio de Janeiro (10,6%), da Bahia (10,1%) e do Ceará (7,4%).A capital nacional dos negócios, São Paulo, justifica seus atributos enquanto principal alvo dos investimentos das redes hoteleiras internacionais. Atraindo quase 30% dos turistas domésticos (cerca de 12 milhões de viajantes), o Estado é também receptor de cerca de um quarto da receita turística gerada. Considerando-se apenas o segmento de turistas que se hospeda em hotéis, o Estado reflete ainda mais fortemente sua posição de destaque, sendo responsável, em 2001, por 30,5% do total de hospedagens, seguido por Minas Gerais (13,4%), Rio de Janeiro (6,6%) e Rio Grande do Sul (5,5%).A pesquisa de 2001 evidenciava, também, o fato de que, embora o País tenha dimensões continentais, o movimento de seus turistas se concentra em poucos centros de lazer e negócios. Somente as cidades de São Paulo (4,5%) e Rio de Janeiro (3,1%) respondiam por quase 8% do turismo receptivo interno. Os dados revelaram, ainda, que a participação do Município de São Paulo (4,5% dos turistas) estava muito abaixo da participação do conjunto do Estado (22,9%), revelando a força do interior e das cidades litorâneas paulistas.Em 2001, apenas 30 municípios concentravam 40% do total do receptivo, tendo as demais cidades participação marginal (inferior a 0,6%).Da análise dos 30 principais destinos procurados pelos turistas internos, constavam apenas 14 capitais. Os municípios paulistas respondem por 1/3 (nove) essas destinações (São Paulo, Santos, Itanhaém, Ubatuba, Guarujá, Peruíbe, Praia Grande, Caraguatatuba e Aparecida do Norte). Se ampliarmos a região de influência do Estado, passando a incluir municípios fronteiriços e de fácil acesso (Poços de Caldas, Angra dos Reis e Cabo Frio), chegaremos a um total de 12 (40%) destinos impactados pelo mercado paulista. Outros cinco Estados (Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Ceará e Paraná) aglutinam os demais municípios considerados dentre os principais destinos.A maioria dos turistas viaja dentro da própria região. Em 2006, no caso particular do maior pólo receptivo, o Estado de São Paulo, 94,9% de seus visitantes foram provenientes da própria região Sul-Sudeste, sendo 77,2% originários de outras cidades dentro do próprio Estado. Segundo análise da FIPE, “a distância e as restrições de renda, que atingem a maioria da população brasileira são os principais fatores que levam os turistas brasileiros a priorizar os destinos dentro da região onde residem”.Em 2004, o segmento de hospedagem contava com 3.964 meios de hospedagem registrados na EMBRATUR – um terço do total, segundo a ABIH -, empregando cerca de 204 mil pessoas, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego.Os dados da INFRAERO, referentes à evolução do desembarque de passageiros em vôos nacionais, refletem o dinamismo do mercado interno. Entre 1994 e 2004, o movimento de passageiros passou dos 13 para 33 milhões, indicando um crescimento de 159% no período.A reanimação do setor de hospedagem: 1994-2006A dinamização do mercado de viagens incentivou o setor de hospedagem. Por outro lado, a expansão de novos projetos hoteleiros, nos anos 1990, foi viabilizada mediante a entrada de novos agentes, representados pelos fundos institucionais, construtoras e incorporadoras imobiliárias, que passaram a cumprir importante papel de financiador dos novos projetos, capitalizando a renda disponível da classe média, agora ampliada com o fim do imposto inflacionário. Finalmente, os investimentos públicos em infra-estrutura turística por parte da área pública (por meio do PRODETUR) e os financiamentos do BNDES reanimaram o setor. Entre 2002 e 2004, o número de meios de hospedagem brasileiros cadastrados na EMBRATUR passou de 2476 para 3967, estando metade deles localizada nas regiões Sul e Sudeste.A partir de 1991, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – que, até então, apenas repassava recursos vinculados ao FUNGETUR – passou a estender suas linhas de financiamento ao setor hoteleiro e de turismo. Suas condições seguiam as políticas operacionais gerais estabelecidas pelo banco, sendo consideradas inadequadas pelos representantes do trade hoteleiro: financiamento de até 50% do investimento, com prazo de oito anos e seis meses de carência, juros de 9% ao ano mais a Taxa Referencial de Juros (TR). Apesar disso, como o BNDES era o único agente financeiro que oferecia recursos para investimentos de médio e longo prazo no País, seus financiamentos foram utilizados pelos hoteleiros em complementação aos investimentos realizados com recursos próprios.Os fundos de pensão passaram a investir no setor hoteleiro a partir da década de 1990, em decorrência da dinamização do mercado de viagens, do crescimento de recursos por eles administrados e da necessidade de diversificação das inversões, até então concentradas em prédios comercias, sobretudo shoppping centers. A entrada dos fundos de pensão brasileiros no ramo da hospedagem seguiu modelo já existente desde a década de 1970 na Europa e Estados Unidos, regiões nas quais o crescimento das redes foi financiado, em grande parte, com recursos dos fundos de pensão, proprietários de cerca de 70% dos hotéis de médio e grande porte dos Estados Unidos. As características do investimento no setor imobiliário e hoteleiro – baixo risco e retorno em médio e longo prazos – são bastante atrativas para os fundos.Mas foi, sobretudo, em meados da década de 1990 que os investidores institucionais – e, em particular, os fundos de pensão – passaram a ter participação estratégica, a partir da associação com as operadoras hoteleiras internacionais, com interesse renovado em operar no país. A associação oferecia vantagens estratégicas para ambos os lados: obediência à nova política das redes, segundo a qual os investimentos deveriam se concentrar na gestão, e não nos empreendimentos imobiliários, diminuído os riscos do negócio; por outro lado, para os fundos, e demais proprietários dos imóveis, as redes ofereciam diversas vantagens, como gerenciamento profissional, tecnologia de gestão, formação de mão-de-obra, implantação de padrões básicos internacionais de qualidade dos serviços, acesso a centrais de reservas e sistemas internacionais de captação de clientes próprios e identidade corporativa. Além disso, algumas redes disponibilizavam também programas de fidelidade, acordos com fornecedores e grandes clientes (a exemplo de empresas aéreas). A centralização de algumas atividades administrativas, de publicidade, pesquisa de mercado, projetos arquitetônicos e decoração, garantia significativa redução nos custos operacionais, devido às economias de escala geradas. Esse conjunto de características costumava garantir melhores taxas de ocupação, maior margem e menor risco, aspectos importantes para este tipo de empreendimento, que exige a mobilização de significativos recursos financeiros.[6] Baumann (1996, p.7) destaca o papel estratégico que vêm desempenhando os fundos de pensão em diversos segmentos, umVelho agente financeiro com importância renovada na determinação da liquidez internacional e na provisão de crédito de longo prazo. Associado às mudanças na estrutura etária das populações de economias desenvolvidas, o volume de recursos administrados por estes fundos tem se tornado capaz de mudar substancialmente os sistemas financeiros de diversos países.Assim, em 1996, foi inaugurado o primeiro hotel construído com recursos dos fundos institucionais, o Sol Meliá São Paulo (da rede espanhola Sol Meliá), com 300 apartamentos e investimento estimado de R$ 84 milhões, financiado mediante uma parceria entre 35 fundos institucionais. Posteriormente, fundos institucionais financiaram o Transamérica Morro do Conselho (da rede Transamérica, em Salvador), o Meliá Maceió (rede Sol Meliá), o Complexo Sauípe (redes Marriott, Accor e Superclub Breezes), adquiriram o Méridien Rio de Janeiro (rede Méridien), o Renaissance São Paulo (rede Marriott), o resort Cabo de Santo Agostinho (PE) e diversos empreendimentos administrados pela rede Accor, dentre outros.Em 1997, a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (ABRAPP) estimava que os fundos institucionais administrassem recursos de US$ 65 bilhões, dos quais cerca de 20% poderiam ser investidos no setor imobiliário. Os maiores fundos de pensão constavam também, dentre os maiores investidores institucionais do setor de hospedagem, como a PREVI – Previdência Privada dos Funcionários do Banco do Brasil, o FUNCEF – Fundo de Pensão dos Funcionários da Caixa Econômica Federal e a PETROS – Fundo de Pensão dos Funcionários da Petrobrás.Outro importante agente que realizou investimentos estratégicos para o desenvolvimento dos mercados de viagens e hospedagem foi o setor público. Entre 1995 e 2000, a União e os Estados investiram US$ 10 bilhões em infra-estrutura básica – financiados pelo BID, pelo Governo Federal e pelos governos estaduais -, os quais, em realidade, atendiam às necessidades não apenas de turistas, como, também e principalmente, de residentes. O direcionamento desses recursos para áreas de maior potencial turístico fez com que fosse considerado um investimento “turístico”, sendo contabilizado entre as iniciativas do governo em prol da atividade. Dentre as obras financiadas neste período, destacam-se as voltadas para a implementação de infra-estrutura básica por meio do PRODETUR – Nordeste, que previa, em sua primeira fase, investimentos de US$ 670 milhões, através das seguintes principais ações:· construção, reforma e ampliação de oito aeroportos (Porto Seguro, Lençóis, Salvador, São Luís, Aracaju, Natal, Fortaleza e Recife):· 29 trechos rodoviários (totalizando 389 quilômetros);· 17 projetos de saneamento básico;· preservação de 5.335 hectares de meio ambiente;· recuperação do patrimônio histórico.Em meados de 2002, o governo anunciou a assinatura de novo contrato com o BIRD, correspondente à segunda fase do PRODETUR –Nordeste, com recursos previstos da ordem de US$ 670 milhões.Refletindo o incremento da atividade, também as ações de promoção do órgão oficial de turismo, a EMBRATUR, passaram a ser prestigiadas no período, passando de um risível orçamento anual de marketing de R$ 3 milhões, em 1994, para R$ 44 milhões, em 2000.O financiamento a pequenos empresários, Estados e municípios, por meio do FUNGETUR, foi revitalizado, tendo sido aprovados, entre 1995 e 2000, 71 projetos que resultaram na liberação de recursos da ordem de R$ 65 milhões para financiamento de obras, serviços e outras atividades turísticas.Assim, a década de 1990 representa um dos períodos de maior expansão da oferta da indústria hoteleira. Foram também inaugurados nesta época, em São Paulo, InterContinental e o Sofitel; em Belo Horizonte, o Ouro Minas; e, em Porto Alegre, o Sheraton.Segundo a Horwath Consulting & Soteconti, entre 1994 e 1997, a ocupação dos hotéis de luxo cresceu 11,6% e a dos hotéis intermediários, 9,1%.Seguindo tendência já observada em décadas anteriores, o dinamismo do mercado de viagens e de hospedagem foi também determinado pelas medidas de desregulamentação do tráfego aéreo comercial doméstico, que permitiram a oferta e o financiamento de passagens aéreas mais econômicas e “pacotes” turísticos, que viabilizaram a entrada de novos segmentos da população no mercado de viagens e hospedagens. Em 2001, estabeleceu-se política de aumento dos vôos charter (fretados) – importante instrumento de barateamento dos preços das passagens – que, no Brasil, representavam, até então, apenas 7% do transporte de turistas. Até junho de 2001, o DAC tinha autorizado 2 mil vôos charter, contra 2.142 autorizados em todo o ano de 2000 e 1.272 autorizados em 1999.Esse dinamismo refletiu-se não apenas no setor de hospedagem, mas em todos os segmentos que integram a atividade turística.Por outro lado, a superação do clima de incerteza e os investimentos em infra-estrutura contribuíram para a melhoria da imagem do País no exterior e para a entrada de novas empresas internacionais. É neste contexto que se observa, no Brasil, a retomada dos investimentos no setor hoteleiro.Embora representem um segmento minoritário (11%) do número total de turistas no País, os estrangeiros respondiam, em 2002, por 24,7% das hospedagens, dados estes que se justificavam em face das limitações de renda do mercado doméstico e das características do fluxo e turistas na era pós-globalização, em que o segmento “comercial/coorporativo” responde por quase metade (45,6%) das reservas em hotéis.Este conjunto de fatores provocou um espetacular avanço das redes hoteleiras no período pós-1994, investimentos estes que têm demonstrado clara seletividade espacial. Tomando-se apenas as 12 principais redes internacionais de hospedagem, verifica-se que, em junho de 2006, a maioria de seus empreendimentos concentrava-se na região Sudeste (60,9%), seguindo-se as regiões Sul (17,7) e Nordeste (15,1%).Apenas a capital dos negócios do País, São Paulo, concentrava 77 meios de hospedagem dessas 12 redes (16.149 apartamentos), o que corresponde a 35,3% do total. O interior do Estado tem merecido destacada atenção por parte dessas redes – com 49 meios de hospedagem, 18,1% do total – participação esta superior à da região Sul ou Nordeste. Se somados todos os empreendimentos, verifica-se que apenas o Estado de São Paulo reúne metade (50%) de todos os hotéis e flats dessas cadeias.O Estado do Rio de Janeiro, tradicional portão de entrada de turistas estrangeiros, sedia 24 empreendimentos (4.899 quartos), o que representa 10,7% do total. Entre 2002 e 2006, o Estado apresentou um dos mais expressivos crescimentos, tendo quase dobrado o número de hotéis de redes internacionais.Seguindo a região Sudeste, a região Sul também tem merecido atenção especial por parte das redes internacionais, que ali dispõem de 48 empreendimentos (5.543 apartamentos), 12,1% do total, concentrados, sobretudo, nas três capitais. Entre 2002 e 2006, a região Sul apresentou crescente participação no mapa de investimentos das redes, passando de 34 para 48 hotéis (de 3,5 mil para 5,5 mil apartamentos).Na região Nordeste, os investimentos das 12 maiores redes internacionais têm se mantido estáveis nos últimos quatro anos, com o número de hotéis passando de 40 para 41. Alguns Estados aumentaram sua presença (Rio Grande do Norte, Sergipe e Bahia), enquanto outros diminuíram (Ceará, Pernambuco e Paraíba).As regiões Norte e Centro-Oeste, embora respondam por grande parte do território do País e apresentem grande potencial turístico-ecológico, têm participação insignificante no mapa dos investimentos das redes internacionais de hospedagem (2,1% e 4,1%, respectivamente).O reaquecimento do mercado determinou não apenas a retomada dos investimentos no setor hoteleiro – por parte de redes internacionais, domésticas e empreendedores independentes – como também a sua diversificação, reorganização, modernização, profissionalização da gestão, introdução de novas tecnologias e técnicas gerenciais, como resposta ao significativo aumento da concorrência. Principais causas do avanço das redes hoteleiras internacionais no Brasil no período pós-1994Embora operando no Brasil desde a década de 1970, foi somente a partir de 1994 que as redes internacionais aumentaram expressivamente sua presença no país. Este avanço – além de qualitativamente diferente do ocorrido em décadas anteriores – foi determinado por um conjunto de fatores, dentre os quais destacam-se os seguintes:a) acirramento da competição internacional no setor de viagens e hospedagem a partir do fim dos anos 1980, impondo a necessidade de diversificar mercados e oferecer serviços em escala mundial. O mesmo processo determinou, ainda, intensos processos de fusões e incorporações, visando a aumentar a escala das operações e organizar as grandes cadeias hoteleiras internacionais, reforçando a necessidade de as redes se implantarem nos principais destinos de negócios e lazer mundiais;b) globalização da economia e estabelecimento de padrões globais de qualidade determinando a necessidade da entrada das redes internacionais de hospedagem nos grandes centros econômicos do País, particularmente em São Paulo, também considerada uma megacidade “mundial”;c) potencial de mercado e expectativas de crescimento da demanda por hospedagem no Brasil, país que atende à lógica de investimentos do setor de viagens e hospedagens, atraído para países com grandes populações, como é também o caso da Rússia, da China e da Índia. Destes, o Brasil é o único sem riscos naturais (terremotos etc.), religiosos ou raciais. Por outro lado, ainda, é alvo de grandes desconfianças por parte da comunidade financeira internacional atenda aos resultados das agências internacionais de avaliação de risco que ainda posicionam o Brasil como investimento especulativo de alto risco;d) estabilização econômica, abertura comercial, aumento da renda disponível da classe média, desregulamentação da economia (desregulamentação do tráfego aéreo comercial com conseqüente barateamento do preço das passagens, remoção de entraves burocráticos ao ingresso de turistas, atração do investimento estrangeiro, privatizações) e promessa de cumprimento de contratos contribuíram para a formação de clima favorável à entrada de investimentos estrangeiros.e) Disponibilidade financeira de parceiros (incorporadoras, fundos institucionais e pequenos investidores) interessados em investimentos imobiliários associados aos hotéis, permitindo às operadoras internacionais concentrar suas atividades nos serviços de gestão, mediante contratos de administração ou franquias, diminuir o custo do investimento e ampliar sua presença no mercado;f) Investimentos públicos em infra-estrutura, mediante recursos financiados parcialmente pelo BIRD, permitindo avanços concretos na infra-estrutura essencial ao mercado de viagens, em diversas regiões do País.